sábado, 26 de fevereiro de 2011

Subindo a Colina - Reflexões sobre o Tempo, aos 33


Vai ser interessante reler isto daqui a uns anos. Será que eu ainda vou pensar do mesmo modo?

Minha esposa diz ter tido um professor que referia a si próprio como estando, “do lado de lá da colina”, começando a descer a montanha. Envelhecendo, enfim.

A menos que aconteça uma mudança brutal na expectativa de vida nos próximos anos – e que essa mudança me inclua – eu estou, digamos, começando a me aproximar do pico da colina, cerca de 10 anos antes do meio do caminho: estou com 33 anos, já quase 34. Uma idade em que uma parte daqueles sonhos que se tinha na adolescência já se realizou. Outra parte, deixou de ser importante. E uma outra que ainda não se realizou, parece relativamente viável, a menos que uma pessoa desta idade ainda sonhe em se tornar uma pop star, um astro de cinema, uma celebridade no esporte, ou um multi-bilionário apresentando um reality show arrogante. E, claro, há também os novos sonhos, que surgem com o tempo.

O que gosto nos 33 anos? Em segundo lugar, da autonomia. Você pode tomar suas próprias decisões com relativa independência, gastar seu dinheiro como bem entender (ou como suas filhas lhe “peçam” para fazê-lo), desenvolver seus próprios projetos de vida, deslocar-se sem pedir permissão, escrever sem necessariamente ter que se desculpar pelas próprias convicções, ou pela variação delas. Os ossos não doem, a visão funciona, os pelos nas orelhas ainda são administráveis e você não acha mais que precisa transar todos os dias para considerar-se sexualmente ativo.

Mas, em primeiríssimo lugar, o que eu mais gosto é da amizade que se começa a fazer com o Tempo. O bom, velho e confiável amigo Tempo. Pelo menos, foi o que fiz nos últimos anos.

Acredito que a adolescência seja a idade da urgência: a idade em que esperar pelo próximo beijo, pelo próximo aplauso ou pela próxima farra, parece simplesmente insuportável. Mas não foi sempre assim, foi? Acredito que, em tempos anteriores ao século XX, adolescência não existia. Crianças já trabalhavam, aos 14 já estavam casadas e aos 16 já tinham filhos. Filhos, no plural. Mas, com o passar do tempo, isso mudou e os adolescentes surgiram naquela “zona cinzenta” entre a infância e a idade adulta. Para muitos, a principal tarefa passou a ser Demandar. “I want it all! And I want it now”, cantaram a voz de Freddie Mercury e a as cordas da guitarra de Brian May, com as quais é impossível não se identificar.

Na adolescência, a quantidade de sonhos é inversamente proporcional ao tempo que se imagina que vá levar para que se realizem. Pergunte para qualquer garoto de 16 anos, qual carro ele imagina que vá estar dirigindo aos 22. Poucos vão dizer “Uno”. A maioria vai dizer algum carrão, que só vai conseguir comprar depois de vários anos de trabalho e economia. Alguns, mais sem noção, vão provavelmente dizer algum carro que nunca vão chegar a dirigir na vida.

Nos últimos anos, vemos de vez em quando aquelas reportagens que mostram pré-adolescentes de 12-13 anos em baladinhas. “Hoje eu fiquei com 15 meninas!”. Sério mesmo? Caramba, amiguinho, então você é MESMO um carinha muito desinteressante! Porque se fosse realmente interessante, a primeira não teria deixado você escapar!

Como é que se fica com tantas meninas em um espaço de 3 horas? Aliás, você não fica; você passa! O certo seria “Hoje eu passei com 15 meninas!”. Eu não consigo visualizar a cena. O carinha beija uma, sai, vai ao banheiro, no caminho beija outra e, na saída, mais outra? Fazendo isso durante 3 horas, talvez dê para beijar 15. Mas é só. Não dá tempo para mais nada a não ser beijar uma boca sem nome e sem rosto. Não dá tempo, especialmente, para que percebam que o tempero mais marcante da conquista é a expectativa.

Diga a eles, os adolescentes, que terão que passar alguns anos como trainee em uma empresa, e que quando derem entrada no primeiro e apertado apartamento de 60 metros quadrados, vão ter que pegar mais leve nas baladas ou nas viagens. Diga a eles que, não importa quão talentosos ou geniais sejam (ou acreditem ser), não serão diretores de porcaria nenhuma pelos próximos 20 anos (a menos, claro, que trabalhem em agências de publicidade, em que qualquer recém-formado é diretor disso ou vice-presidente daquilo). Diga a eles, os adolescentes, que, não importa quão bem achem que falem um idioma, já estão atrasados para aprenderem o próximo. Diga que que só poderão confiar nos próprios julgamentos sobre relacionamentos quando entenderem a diferença entre paixão e amor. Diga-lhes isso tudo, e a vida lhes parecerá insuportável. Porque ainda não aprenderam a, simples e elegantemente, esperar. Não fizeram ainda amizade com o Tempo. É compreensível. É um amigo difícil.

Mas é justamente ele, o Tempo, que torna as decisões tão amigas dos travesseiros, não é? Problemas difíceis, desafios importantes, grandes decisões, avaliações complicadas, muitas vezes requerem uma ou muitas noites de sono para que sejam resolvidas com a devida consistência, depois que olhou-se para a mesma coisa sob diferentes ângulos e sentiu-se seu gosto com diferentes humores. Tempo e paciência. Os mesmos que são necessários enquanto joga-se xadrez, ou rega-se o risoto com vinho durante seu preparo, aguardando o arroz soltar devagar o seu amido. É por isso que eu sinceramente não gostaria que o dia tivesse 40 horas, como alguns dizem. Gosto dele com 24, e gosto que os dias passem, do jeito que são.

O mundo é adolescente. Há um senso de urgência desmedido, que cria necessidades que, evidentemente, não deveriam existir, e expectativas que não podem esperar.  Fast foods, carros modelo “ano que vem” que são lançados em março deste ano e “Fale inglês em 3 meses” são exemplos clássicos disso.

Acho, inclusive, que esta é uma das razões pelas quais as pessoas não aprendem direito a falar um idioma: porque isto requer paciência. 30 anos atrás era difícil, caro, inacessível e, talvez, um tanto desnecessário. Hoje, qualquer criança de classe média tem acesso a um curso de inglês mais barato do que aulas de natação. Definitivamente mais barato que um tênis de marca. E por que será então que vemos tantos de 20, 25 anos – criados na classe média, cientes da importância do idioma -  que sabem que “the book is on the table”, mas não sabem que “the table is under the book and it’s made of wood”? Por que não tiveram oportunidade? Não. É porque não tiveram paciência para aprender. Porque aprender dá trabalho. E porque trabalho e paciência são feras difíceis de domar.

Estou escrevendo este texto na sala de embarque do aeroporto de Houston. E, enquanto escrevo sobre o tempo, neste momento em que a paciência é tão necessária quanto difícil, lembrei-me de Amyr Klink, o obstinado navegador do Paratii, suas viagens e seus livros magníficos. Recentemente, tive a honra de assistir a uma palestra sua e perguntei-lhe a respeito disso: paciência e motivação. A gente viaja para a Disney em um voo de apenas 10 horas e chega lá cansado da longa viagem. O Sr. Klink (cara, se isso não é nome de explorador, não sei do que é!) passa não-sei-quantos-meses viajando sozinho no barco para chegar à Antártida, e lá ficar, sozinho, no gelo. Ou fica 100 dias atravessando o Atlântico num barco a remo – coisa que nós, mortais, reclamamos de fazer em 8 horas, cochilando sentados em um avião. Acho que paciente é aquele que tem metas que vão além do “asap” (ou AZÁPI, já “abrasileirado”, na boca de muitos que acham que não têm tempo a perder). Amyr Klink, definitiva e admiravelmente, as tem. E é, nitidamente, amigo do tempo.

Quando me aproximei dos 30, fiquei também amigo do Tempo e das decisões maturadas, da espera e da reflexão. Entendi que para que se aprenda a fazer uma coisa direito – seja falar um idioma, aprender a dançar ou achar o tom certo em um texto, muitas vezes basta dar tempo ao tempo. E continuar tentando...

Talvez eu não vá pensar assim quando estiver realmente do lado de lá da montanha, e o tempo que resta seja menor do que o tempo que já passou. Os pensamentos são sempre moldados às nossas próprias conveniências, não é? E é por isso, inclusive, que me parece tão aceitável mudar de opinião com o tempo. Daqui a uns anos, quem sabe, eu revisite esses pensamentos e veja o que o tempo fez com eles e comigo.

Já não estou mais na sala de espera. Já estou no avião, a caminho do Brasil. E olha só que sorte: não tem ninguém ao meu lado! Bom, né? Assim viajo um pouco mais confortável e posso me “esparramar” em dois assentos. Porque, na classe econômica, uma viagem de avião de 10 horas é longa que doi. No futuro, quem sabe o tempo me coloque na primeira classe... ou então me leve à Antártida com o Amyr.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Minha bunda não ganha salário

No último domingo fui àquele shopping center de decoração e design bonitão aqui em São Paulo, o D&D. Lugar bacana, com móveis tão bonitos quanto caros. Um lugar onde, supostamente, deve-se encontrar pessoas civilizadas. Supostamente...

Procurando uma vaga para estacionar, passei por um carro e fiquei absolutamente indignado com a forma como estava parado. Não resisti. Tirei uma foto e fiz uma coisa que nunca tinha feito antes: deixei um bilhete ao seu dono, no vidro do pára-brisas.

"Você viu como você estacionou este carro?! Nosso país nunca vai ser desenvolvido enquanto houver gente do seu tipo. Lamentável".

Na véspera, eu tinha jantado com minha esposa na praça de alimentação do Shopping Market Place, que também é bem arrumadinho.  Nos chamou atenção a quantidade de pessoas que, quando terminaram de comer, deixaram a mesa "do jeito que ficou": com a bandeja, prato e talheres sujos, lata de refrigerante, guardanapo usado. Não se dignaram a levantar e colocar as coisas no lixo, a inatingíveis 2 metros de distância.

Na verdade, mais do que ficar irritado com essas cenas, eu fico é triste. Não só pela falta de educação dessas atitudes, mas por ver quem são as pessoas que as cometem. Como qualquer brasileiro, sei que nosso povo tem escolaridade baixa e que, quando a preocupação está em levantar às 4h da manhã, para chegar no trabalho às 8h e ganhar R$ 500 por mês (agora, R$ 540! Uau!), não se pode esperar regras de etiqueta ou grandes sofisticações de comportamento. Para estes, o que eu realmente gostaria de ver é uma escola decente e oportunidades reais de trabalho para que crescam e possam, aí sim, se preocupar com mais do que meramente sobreviver. Não vou entrar em questões políticas aqui, mas o fato é que nos últimos 17 anos fizemos bons avanços nesta área. Com muito a percorrer ainda, mas com visíveis avanços.

Entretanto, nestes locais que mencionei - shopping centers em regiões nobres da cidade mais rica do país - foi das pessoas da classe A que vi aqueles comportamentos inaceitáveis. Justo delas. Justo daquelas que, em tempos de Real valorizado, vão fazer compras em Miami, ou tomar café brasileiro a 12 Euros em Paris, ou passar uma semaninha em Cancun, bebendo tequilas e planejando se vão passar o próximo feriadão tomando vinho em Santiago ou em Buenos Aires.

Se você já viajou para um país desenvolvido, ou conheceu alguém que viajou, certamente já se pegou pensando em como "lá" as coisas funcionam, como "lá" é civilizado. "Lá, se você colocar o pé na rua, os carros param na hora, pra você atravessar". Quem nunca ouviu isso? "Lá, se está marcado que o show começa às 21h, ele começa às 21h e não às 21h18".

Voltamos admirados e orgulhosos por conhecer tanta civilidade. Eu sempre volto melancólico também, porque gostaria muito que nosso país também fosse assim. E quem melhor do que aqueles que conhecem também esta realidade em primeira pessoa, que também viajaram e se admiraram com esta civilidade, para praticarem isto aqui? Por que será que tão poucos o fazem? Fico me perguntando: por que é que em tantos de nós o botãozinho de Civilidade só é acionado quando atravessa-se a fronteira? Por que é que, aqui, "grudamos" no carro da frente no semáforo, em vez de deixar mais espaço? Por que é que não damos prioridade ao pedestre em uma esquina, mesmo ele já estando com o pé no asfalto? E por que é que, nas raras vezes em que o deixamos passar, ele atravessa correndo, como se estivesse nos atrapalhando? Por que é que paramos em fila dupla, na hora de pegar as crianças na escola? Afinal, é só um minutinho... não vai atrapalhar ninguém, não é?

E os outros aspectos, menos ligados às questões práticas de trânsito, e mais ligadas à questões éticas? "Você não paga meia entrada no cinema?! Todo mundo tem carteirinha de estudante, mané!".

Desculpem-me, mas eu não. Não tenho carteirinha de estudante, porque não sou estudante. Não me lembro quando foi minha última multa por excesso de velocidade. Não quero inventar uma dor imaginária para me aposentar daqui a uns 3 ou 4 anos. Mas confesso que, muitas vezes, não dou prioridade ao pedestre. Às vezes, por falta de hábito; às vezes, porque o carro de trás está tão colado, que vai me bater se eu parar de repente.

Não quero, em absoluto, dar aula de ética a ninguém. Até porque também tenho deslizes éticos dos quais não me orgulho nem um pouco. Mas acho, sinceramente, que aquelas que têm acesso a modelos de civilidade que realmente funcionam, seja fora do país, seja dentro de si mesmas ou em suas famílias, devem assumir o compromisso extra de tentar fazer disso uma constante. Dar exemplo, mesmo. Pouco a pouco, um dia de cada vez.

Eu devolvo troco quando vem a mais. Peço desculpas quando dou um encontrão em alguém. Pergunto "Tudo bem?" para a moça da cabine onde paga-se o estacionamento no shopping center, e espero ouvir a resposta. Olho garçom nos olhos e agradeço quando ele vem retirar os pratos na mesa. Paro na vaga e olho para ver se o carro ficou mesmo bem estacionado. Se não ficou, arrumo. Não faço barulho depois das 22h e brigo com minhas filhas quando elas andam correndo pelo apartamento feito dinossauros - seja a hora que for. Na minha casa, o papel higiênico da empregada é igual ao meu. Porque, afinal, minha bunda não ganha salário.

Recentemente, eu estive em um evento com a elite dos médicos brasileiros em uma determinada especialidade, que não vem ao caso mencionar agora. Havia uns 15 brasileiros e 3 gringos. Fiquei envergonhado com a postura de alguns brasileiros: faziam perguntas para os gringos e, enquanto estes respondiam, a pessoa que havia feito a pergunta se virava para conversar com o colega ao lado. Mas não era um "Ah, que interessante", não. Era conversa, mesmo, com princípio, meio e fim. O gringo ficava com expressão de "Este cara não está nem ouvindo minha resposta". Vergonhoso. Aquele episódio reforçou minha percepção de que, paradoxal, mas não surpreendentemente, a educação de um indivíduo não é necessariamente proporcional ao seu grau de instrução.

Aliás, basta olhar: os folgados, em geral, são os ricos. Quem fala alto, ri alto, para em fila dupla e acha que o universo gravita em torno de si, normalmente tem renda mensal de 5 dígitos, e um ego do tamanho do sol.

Sinceramente, tenho orgulho da nossa gente, da nossa alegria, criatividade e capacidade de acolher. Isso faz de nós um povo muito especial e é, sem dúvida, a grande razão pela qual o Brasil é tão apaixonante. Mas, quem sabe até 2014 ou 2016, quando acontecerem aqui a Copa e as Olimpíadas, tenhamos os gringos saindo daqui dizendo que somos, sim, alegres, criativos, acolhedores, mas também sérios e civilizados. Se isso acontecer, esses eventos tão singulares terão cumprido seu papel em nosso país. E se não acontecer, que pelo menos tenhamos começado até lá.

Talvez o dono do tal carro mal estacionado, tenha cometido um mero deslize, uma simples distração. Não posso julgar uma pessoa que nem conheço por uma simples atitude isoladamente - embora meu bilhete tenha tido este tom. Só espero que ele tenha se envergonhado. A própria vergonha, aquela que você sente quando ninguém vê, a vergonha de si próprio, é um dos mais persuasivos e transformadores sentimentos que alguém pode ter. E, quem sabe na próxima, ele não apenas arrume o carro, como também deixe um bilhete para alguém - talvez um distraído, ou talvez mais um que precise se lembrar que educação e bons modos não devem requerer esforço; devem ser tão presentes em nós, que sejam, na verdade, traços permanentes de personalidade.

É assim, e só assim, que poderemos causar a transformação ética da qual nosso país tão desesperadamente precisa, e que alguns de nós, gosto de acreditar, tão intensamente mereçam.






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