sábado, 28 de julho de 2012

Absolutamente Sensacio... O que era mesmo?


Sabe uma profissão que eu não gostaria de ter? Engenheiro de empresas de aparelhos eletrônicos. Não, não tenho nada contra elas, em absoluto! Aliás, como profissional de tecnologia (em uma empresa de softwares), sou usuário de muitos equipamentos que elas desenvolvem.

Mas me assusta aquilo que essas empresas "personificam": a obsolescência  imediata - um retrato fiel de quem nos tornamos nos últimos 20 anos. Não estou falando de "obsolência programada", não. Isto é coisa do passado. Atualmente, é imediata, mesmo. Essas empresas lançam produtos já sabendo que são ultrapassados. Em poucos meses, tiram de linha o que acabaram de lançar, para dar espaço a uma nova geração mais sofisticada, mais brilhante, mais rápida, mais incrível e, paradoxalmente, mais descartável do que nunca - porque a próxima já está na fila, pronta para ser lançada. Não vou entrar na questão econômica envolvida nisto. Quero, na verdade, pensar nas pessoas e o que isto mostra a respeito delas. De nós, na verdade.

Permita-me pintar uma caricatura: o João. Ou John. Ou Juan. Ou Johann. Ou Jean. Ele está passando a noite na fila para comprar, no dia seguinte, aquele novo celular que vai ser lançado, daquela marca que todos admiram. Mas ele sabe que não está lá porque seja consumista, impulsivo ou influenciável. Não, não! Ele está lá porque é especial, criativo, inovador e precisa de um aparelho à altura da sua importância, do seu raciocínio sofisticado, do seu repertório refinado. Ele é bom demais para ter um aparelho qualquer. Ele precisa daquele aparelho. E, daqui a 6 meses, quando sair outro, ele vai jogar aquele fora e adquirir, novamente, um novinho em folha. Afinal, o que ele vai comprar amanhã de manhã (quando a loja abrir, e ele sair exibindo-o como se fosse um troféu, ou uma ode à sua personalidade inovadora), já vai estar velho em 6 meses, não vai?

Sejamos honestos: não, não vai. Assim como a TV LCD que você comprou há 2 anos não está velha e não precisa já ser trocada pela nova LED 3D. Assim como tantos e tantos outros exemplos, aplicáveis a qualquer fabricante e a muitas famílias de classe média em tempos de "nunca antes na história desse país".

Certo, mas o que isto quer, de fato, dizer? Porque tantos agem assim? Não sou psicólogo e não sei o termo exato para isto. Mas eu acho que esta tal "obsolência imediata" é derivada de um traço que se tornou comum à personalidade de muitos atualmente. É aquilo que chamo de "necessidade permanente de excitação máxima". Explico: à medida em que o repertório aumenta, a tendência é nos tornamos mais exigentes. Isto é assim para tudo na vida, certo? Quem tem carro, não gosta de andar de ônibus. Quem viu o Cirque du Soleil, não se impressiona com qualquer malabarista jogando três bolinhas de tênis para o alto. Quem já viu aquele super show daquela super banda, com luzes, telões e sei-lá-o-quê-mais, pode ter dificuldade de apreciar um mero "voz, violão e banquinho". Quem já viu o "Fantasma da Ópera" pode achar enfadonho aquele monólogo com aquele ator desconhecido naquele pequeno teatro de arena. Pois é. Ficamos mais exigentes quanto mais cresce nosso repertório. Hoje, muitas pessoas, com acesso a viagens, informação, cultura, dinheiro, tornaram-se provavelmente mais exigentes com suas experiências do que seus pais foram.

Este repertório cheio de experiências "incríveis" (sem entrar no mérito se de fato o são) cria nas pessoas uma certa "expectativa por ser encantado sempre". O que vem não pode ser inferior ao que foi. Se a viagem que você fizer hoje for igual à das últimas férias, será apenas razoável. Se o show que você vai ver amanhã for parecido com o que viu alguns meses atrás, será apenas legal. Se o livro daquele autor que você gosta não for sensacional, pode ser sinal de que ele está decadente.

Temos a necessidade de ser, a todo tempo, a cada nova experiência, envolvidos por algo inteiramente novo, surpreendente e avassalador. Criamos aversão ao que é apenas legal, bacana, digno, e esperamos que tudo seja sempre extraordinário, sensacional  e estonteante.  Mesmo que seja um mero aparelho de telefone, que agora - ora, vejam só! - tem câmera dos 2 lados! Enfim, precisamos estar permanentemente em clima de paixão, envolvidos por algo que nos tire do chão e nos faça sentir especiais.

Mas há um problema nas paixões: elas ardem muito intensamente. E fogo demais não aquece e acolhe; simplesmente queima e destroi.

A problema não está nas paixões; está em achar que elas precisam ser permanentes ou que a nova paixão necessariamente substitui as anteriores. Permanência e paixão são palavras opostas. Paixões são, por definição, efêmeras.

Fecha-se o círculo, portanto: as pessoas têm necessidade de paixões, mas elas são necessariamente efêmeras. Então, apaixonam-se o tempo todo por coisas novas e descartam as "antigas", mesmo que não o sejam. A "obsolência imediata", portanto, não é forçada pelas empresas que nos empurram os aparelhos "indispensavelmente novos". É, na verdade, apenas reflexo de quem nos tornamos. É apenas um sintoma. Assim como são os casamentos cada vez mais curtos, os troca-troca de empregos cada vez mais frequentes e os blocos cada vez mais curtos nos programas de TV. Da última vez que soube, o padrão era 7 minutos.

Na verdade, levamos isto a níveis estratosféricos. Não tenho certeza, mas acho que foi o filósofo e escritor Mário Sérgio Cortella que observou que, de posse do controle remoto e das TVs por assinatura com 100 canais, somos capazes de zapear dando a cada um dos canais não mais de 2 segundos para nos conquistar. Depois de passar por todos e não parar em nada, enchemos a boca para dizer: "Caramba, não tem nada de bom passando nessa TV!". Quer ver outro fenômeno? Faça a experiência: ligue uma hora dessas na MTV e assista a um videoclipe qualquer ou veja qualquer comercial de TV, em qualquer canal. Note que na maioria deles, os takes não duram mais de 1 ou 2 segundos. Se passarem disto, tornam-se lentos demais para o seu público-alvo. Observe! 2 Segundos apenas. Mais do que isso, ninguém aguenta.

Mentira. Eu aguento. Você também - caso contrário não estaria lendo um texto deste tamanho, na internet. O que eu acho, realmente, é que o caminho - e talvez amadurecer seja o único possível - seja perceber que há muitas paixões ou emoções que vêm daquilo que é absolutamente singelo, trivial, antigo ou comum. Podemos, sim, nos apaixonar por aquilo que simplesmente é, sem necessariamente ter algo a provar ou um compromisso por impressionar.

Às vezes, você quer, sim, ir no Cirque du Soleil. E quer ver o último filme em tela IMAX 3D com som surround 7.1. Mas, quem já ouviu "Comptine d'un Autre Été", de "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", sabe como uma música tão simples pode ser absolutamente encantadora. Quem já acariciou os cabelos de um filho ao adormecer, depois de um dia de brincadeiras, sabe quão sublime este momento é. Quem esteve em frente a uma paisagem completamente longe de qualquer civilização, sabe que a lembrança de alguns poucos minutos pode durar a vida toda. Às vezes, um simples banho numa cachoeira fria pode ser tão revigorante quanto a melhor das massagem naquele spa sofisticadíssimo. O monólogo do ator desconhecido no teatro de arena pode, sim, ser excepcional, mesmo que simples. E mesmo quem já sentiu o aroma do mais encantador dos perfumes, pode sorrir ao sentir o cheiro de naftalina, que faz lembrar a casa da avó ou aquela casa de praia que frequentou na infância.

É, o problema não está nas paixões, nem nos aparelhos, nem nas recompensas. Sou amplamente a favor de recompensas. O problema está em achar que estas recompensas - e as paixões que as buscam - precisam ser necessariamente sublimes, grandiosas, novas ou exclusivas. Não precisam.

Enquanto o João John Juan Johann Jean não entender isto, vai continuar procurando - provavelmente sem encontrar - paixões em telas pequenas e pretas, onde armazena "sua vida" em contatos, arquivos e fotos instantâneas de lugares e pessoas - talvez mais de 50% delas de si próprio: "Eu e a praia". "Eu e minha cerveja". "Eu meus músculos após a malhação". E vai continuar passando a noite em filas para comprar novos apetrechos que mostram que ele é, na verdade, exatamente aquilo que esforça-se tanto em negar ser.

Um comentário:

Comente! Mas não se esqueça de assinar!




Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...