segunda-feira, 31 de março de 2014

Ei, me arruma um probleminha?

- Temos um problema!
- Qual?!
- Como as pessoas vão fazer para entrar na sala?
- Ué... vão entrar pela porta!
- Ah, pela porta... Entendi.
- ...
- E depois que o evento já tiver começado? Por onde entram?
- Pela porta.
- A mesma porta?
- A mesma porta.
- Entendi.
- ...
- Ai, meu Deus!
- O que foi?!
- E aquelas que estejam dentro da sala e precisem sair para ir ao toalete, chupem um Halls preto, falem ao celular, deem uma cambalhota e queiram, em seguida, retornar à sala?
- O que é que têm essas pessoas?
- Como elas fazem para entrar?!
- Deixe-me pensar... Veja... elas entram pela porta, também.
- Também?
- Também.
- Pela mesma porta?!
- Sim, pela mesmíssima porta.
- Ai, isso tudo é tão complicado...

- ...
- E se o Halls for vermelho?!

quinta-feira, 27 de março de 2014

Você ama quem você ama

"If it's who you love, then it's who you love"
John Mayer, cantor e instrumentista americano



Sua vida mudou no dia em que conheceu Apolo. Não era muito alto, nem muito bonito. Mas falava com os olhos e tinha o sorriso mais bonito que já tinha visto. Era amigo da namorada do irmão de uma vizinha, e se conheceram numa festa de aniversário. Mas, passada a festa, ficaram meses sem se falar.

Um dia, acidentalmente, encontraram-se na saída de um show de jazz. Ambos sozinhos. Reconheceram-se e toparam esticar a conversa, durante um jantar. Apolo era cavalheiro e se interessava por cada palavra que saía da sua boca. Conversaram longamente e ali, naquele primeiro encontro, aprenderam um monte de pequenos detalhes um sobre o outro: os medos, as alegrias, o filme predileto, a fruta predileta, as músicas, os livros. Era um homem culto, de muitas leituras e muitas viagens. Falava 3 idiomas. Um homem admirável.

Surgiu dali uma amizade sincera, temperada pela admiração e por um interesse diferente do que conhecera até ali. Voltaram a sair outras vezes. Um dia, foram comer sushi. Em outro, comida francesa. Noutro, massa. Pastel com caldo de cana. Empanada. Parillada. Pato no Tucupi. Vatapá. Baião de dois. Paella. Cebiches. Sauerkraut. Smogasbord. Experimentaram de tudo juntos.

Viram filmes de tudo que foi jeito. Comédias românticas, besteirol, dramas, ação, animação, filmes-cabeça.

Foram a shows, concertos, saraus. Foram ao teatro, a museus, a sebos de livros.

Um dia, por impulso, resolveram que iriam acampar juntos. Decidiram ao meio-dia. Às 18h, estavam na estrada. E ali, nas curvas da estrada já escura, com o confortável silêncio do rádio que já não pegava nenhuma estação, perceberam: estavam namorando. Namorando há tempos. Foi só naquela viagem, meses após terem se conhecido, que passaram a primeira noite juntos, surpresos e nervosos, como se tivessem 10 anos menos do que na verdade tinham.

E assim, seguiram. Namorando e descobrindo semelhanças e interesses. Rolaram novas viagens, novas brigas, saudades, traição, reconciliação, histórias para contar. Havia retratos em comum, só dos dois - sem obrigação de postar no Facebook. Havia amizade, cumplicidade e respeito. E, finalmente, havia maturidade.

Chegou, então, o dia especial. O dia em que Apolo seria pego de surpresa. Talvez fosse ousadia demais... mas era uma coisa que precisava fazer. O momento havia chegado. Não havia dúvidas de que era ele a pessoa com quem gostaria de passar o resto da sua vida.

Encontraram-se e deram um longo abraço, como sempre faziam. Mas, naquele dia, durou um pouco mais. Ficaram ali, abraçados por vários segundos.

- Está tudo bem?! - Apolo perguntou, sem soltar o abraço.
- Preciso te perguntar uma coisa.
- O que foi?
- Vem morar comigo?

O abraço se desfez imediatamente, e o sorriso no rosto de Apolo, com seus olhos arregalados e felizes, dava a resposta esperada.

- Mas é claro que eu vou! - sorrindo, sem acreditar - É claro que eu vou!

Desde aquele dia, Apolo e Rogério estão casados. E vêm tendo dias de alegrias, de dúvidas, de amor, de desejo, de brigas, de ira, de saudades e de distância. Exatamente como o João e a Maria, o Ahmed e a Rebeca, o James e a Esperanza, o Masaharo e a Lin, o Juan e a Severina, a Luana e a Júlia. Exatamente como qualquer outro casal. Absolutamente qualquer outro casal.

sábado, 15 de março de 2014

Andando nas Nuvens

A história é de 2014, mas a foto, de 2008.
A pequena passa creminho nas mãos e aborda o pai:

- Pai, para tudo o que você está fazendo.
- O que foi, filha?
- Você sempre diz que eu sou macia, não é?
- É, você é muito macia.
- Pega nas minhas mãos.

O pai faz aquela encenação, fecha os olhos e move-se em câmera lenta, enquanto segura as mãozinhas.

- É como andar nas nuvens, filha...

quarta-feira, 5 de março de 2014

O Pior dos Elogios

Antes mesmo de nascer, o pai já tinha decidido que o filho seria um conquistador. Deu-lhe logo um nome de macho. Nome curto, forte, que não permite apelidos. Nome de conquistador: Fernão. Nome no aumentativo. Nome de homem decidido, destemido, espaçoso. Fernão. O problema é que o sobrenome, herdado do próprio pai, era no diminutivo: Coutinho. E este prevaleceu: só o pai o chamava de Fernão. Os amigos, irmãos, primos, mãe, o chamavam de Tinho.

Era um rapaz gente boa. Tranquilo, educado, do bem. Talvez fosse mais do que simplesmente educado. Polido? Era gentil e bem-humorado, com uma certa dose de timidez. Ou talvez não fosse exatamente tímido, apenas reservado. Cresceu sem grandes paixões, sem grandes desprazeres, sem grandes aventuras e sem grandes tristezas. Um carinha absolutamente normal, com seus gostos peculiares, suas manias, seu jeitão próprio. Seguro, sem ser impositivo. Tranquilo, sem ser apático. Interessante, sem chegar a sedutor. Normal.

Um certo dia, já adulto, interessou-se por uma bela mulher, inteligente, discreta e interessante, de rosto delicado e lindas pernas. Mulher para se admirar, antes de se desejar. Não era daquelas para sair agarrando e tentando a sorte. Não. Mulher direita, decidida, senhora de si. Mulher que não aceita ser tapeada nem seduzida à toa. Mulher difícil.

Tinho aproximou-se dela devagar, muito devagar, com sorrisos discretos e gentilezas sutis. Demonstrava seu interesse, sem escancarar seu desejo. Percebia nela, sem muita certeza, algum interesse por ele, também. Talvez não fosse exatamente interesse, mas curiosidade. Mas, discreta como era, nunca deu abertura para que ele efetivamente tentasse nada. Talvez porque não quisesse, mesmo. Ou talvez até quisesse, mas nunca demonstrou. E ele, bem, não tentou.

Ficou anos com aquele interesse por ela, sem nunca de fato tentar seduzi-la. Ela já estava até irritada. Era evidente o interesse dele por ela. Por que diabos não a chamava logo para sair? Não para um motel, mas para um jantar! Para um café, uma visita à sua casa? O que diabos ele estava esperando?

Aos poucos, a curiosidade dela, visto que ele não dava o primeiro passo, começou a minguar. Tornou-se apenas uma sensação boa de estar na presença dele, sem que isto nela causasse nenhum calor especial.

Certo dia, percebendo que ela parecia cada vez menos interessada, Tinho tomou coragem e fez um elogio um pouco mais direto. Elogio polido, delicado - não uma cantada. Ele tinha certeza de que as mulheres não gostavam de cantadas, mas de elogios. Ninguém ouviu o que ele disse, a não ser ela. Um elogio lapidado, bem pensado. Um elogio que toda mulher gostaria de ouvir e que ele, cuidadoso, conseguia dizer como nenhum outro.

Ela sorriu com o elogio. Olhou para ele, sorrindo, e fez um carinho em seu braço direito:

- Ai, Tinho. Você é tão bonzinho!

Ela falou assim, mesmo, com rima e tudo. Bonzinho. Pronto. Aquilo acabou com o dia dele. Bonzinho?! Porra, Bonzinho?! Sério?! Aquela palavra, assim, no diminutivo, foi como um banho de água fria em suas convicções sobre si mesmo. Sentiu-se pequeno, como seu sobrenome. Se fosse um nobre daqueles que aparecem nos livros de História, seria chamado de "Fernão Coutinho, o Bonzinho"?

Um homem pode ser chamado de qualquer coisa, menos de bonzinho. Aquele elogio era pior do que o pior do xingamentos. Um homem aceita ser chamado de bruto, insensível, troglodita, idiota, cretino, cafajeste, safado, nojento, manezão, escroto. Aceita, inclusive, ser chamado como animal: cavalo, cachorro, porco.

Os elogios, ah, os elogios poderiam até ser no diminutivo, delicados: fofo, gentil, cortês, cavalheiro, gracinha. Até gracinha! Mas nunca, jamais, se deve chamar um homem de bonzinho. Só faltou apertar a bochecha, e falar com voz de neném...

Bonzinho?! Ele sabia que não era exatamente um homem lindo, mas acreditava não ser um homem de se jogar fora. Ser chamado de bonzinho, o fez sentir como um garoto de 11 anos. Imberbe, inofensivo, pueril.

Seus olhos escuros, que ele acreditava serem profundos e cheios de mistério, de repente lhe pareceram apenas opacos e sem graça.

Seu jeito reservado, de gestos comedidos e charmosos, pareceram tornar-se mera timidez patológica, daquelas de gente que anda no elevador olhando para o chão.

Seu gosto refinado e conhecimento de muitos assuntos, pareceram-lhe apenas desculpas de um fraco que se esconde daquilo que as pessoas gostam, para não ter que encará-las. Gostava do que ninguém mais gostava, para não ter que se deparar com alguém com quem tivesse que engrenar uma conversa além do mero trivial.

Sua barba por fazer, que ele achava ser sedutora, pareceu-lhe apenas desleixo de um playboyzinho sem sal, doido para se parecer com o cowboy da Marlboro, que via nos anúncio da infância.

Seu perfume pareceu-lhe demasiado forte, como o de um tiozinho grisalho que sai à caça de alguma gatinha, depois de um divórcio.

Ser chamado de bonzinho fez com que suas gentilezas e seus elogios, que antes ele acreditava serem sedutores e afiados, tornassem-se inócuos feito o elogio do amigo gay, para o qual se conta todos os segredos, mas sobre o qual não se pensa enquanto se compra batom ou lingerie.

Tudo aquilo que ele havia moldado sobre si mesmo como homem adulto, caiu por terra: era um homem bonzinho. Inofensivo feito um filhote de gato. O misterioso tornou-se apenas previsível. O galanteador tornou-se apenas simpático. O charmoso, apenas bem-apessoado. O sedutor, porra, apenas bonzinho.

Daquele dia em diante, resolveu deixar de ser o Tinho, para se tornar Fernão. Sumiu de vista por uns tempos. Entrou para a academia, ficou mais forte. Passou a ouvir música eletrônica e rock pesado. Fez uma tatuagem em preto e branco no braço. Parou de usar gel no cabelo. Na verdade, parou até de usar xampu, lavando a cabeça só com sabonete, mesmo. Pente? Nunca mais. Não deixou a barba crescer por completo, porque a pele sensível coçava demais. Mas, nos dias estratégicos, passava a máquina zero, para ficar com a barba áspera, bem curtinha, e cara de cafajeste.

Aprendeu a temperar suco de tomate com pimenta, molho inglês, sal e limão. Aprendeu a fazer omelete com rum. Comprou óculos escuros tipo aviador, a la Top Gun. Do sedan pequeno, com câmbio automático, furou o escapamento, para ficar com barulho de carro de aventureiro, off-road, a diesel. Isto, antes de ter o seu próprio off-road. Endividou-se para pagar uma viagem à Itália, onde aprendeu a comprar ternos, e à Austrália, onde aprendeu a pegar ondas, já dono de um colar de dentes de tubarão polidos. Postou tudo no Facebook. E voltou.

Um dia, sem querer, Fernão encontrou de novo com aquela bela mulher que conhecera anos antes e que o chamara de bonzinho, sem saber do impacto que isto tinha causado em sua vida. E agora, maduro, destemido e realmente sedutor, cheio de histórias para contar, conseguiu seduzi-la. Não com jeito troglodita, nem cafajeste, mas com o mesmo jeitinho tranquilo, do qual tentara se livrar naqueles dois anos anteriores. Seduziu-a não como um troféu, não como uma confirmação da sua transformação de Tinho, o Bonzinho, em Fernão, o Conquistador. Passou a noite ali porque ela habitava suas fantasias há muito tempo, porque queria, de verdade, estar com ela. E ela com ele. Tê-la nos braços foi um elo do presente com um passado que, pensando bem, não havia porquê negar. Tê-la nos braços era uma confirmação de que Fernão e Coutinho não eram necessariamente nomes opostos.

Ele acordou antes dela. O sol ainda dormia. Levantou-se sem fazer barulho e escreveu-lhe um bilhetinho, com o mesmo elogio que fizera anos antes. E assinou:

Fernão, ou Tinho.
Como prefira aquela que nunca me saiu da cabeça...

E decidido a não telefonar por pelo menos três dias, saiu, misterioso, oculto e discreto, como um leopardo das neves. Podia ter ficado mais tempo, mas optou por ir embora. Porque, naquela manhã, logo cedo, ia passar a reprise na Warner Channel do novo episódio do "The Big Bang Theory", que ele perdera enquanto passava a noite com ela. E não havia nada no mundo que o fizesse perder um episódio de The Big Bang Theory! Nada, ouviu bem! Nada!



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