domingo, 19 de outubro de 2014

Mesa para um


- O senhor prefere sentar-se no bar?

- Pode ser, sim.

Senta-se, mas o balcão é meio alto.

- Com licença? Acho que prefiro uma mesa. Posso?

- Claro, pode ser nessa aqui, senhor.

É a primeira vez que come ali. Para chegar, dirigiu meio sem rumo, tentando pensar um local onde nunca tivesse ido. Estava com fome e sentiu que estava merecendo comer carne. Lembrou-se dali e da indicação feita pelo amigo do irmão do primo do colega. Chega sozinho e, com um "Bom dia!" especialmente caprichado, emenda, estranhando a própria voz: "Mesa para um, por favor".

Lugar novo, script velho: carne mal-passada, sal, fritas, cogumelos, Coca Zero, refil, refil, refil, cheesecake. Calculadora com os 10% extras. Visa. "Crédito, por favor". "CPF na nota?". "Sim. Ou melhor, não".

Mesmos cardápios, rostos parecidos com os de sempre, preços similares. Um almoço como qualquer outro, travestido de novidade insossa.

Na mesa à esquerda, moças bonitas e jovens, mas sem brilho, falam de algo desinteressante. Na outra, adolescentes silenciosos acompanhando suas famílias, fogem, estáticos, sentados em suas cadeiras, com os rostos imberbes iluminados pelos celulares idênticos.

Ele faz o mesmo, para preencher o silêncio: lê Carpinejar, olha o Facebook, curte algumas coisas das quais terá se esquecido antes de digitar a senha do cartão. Relê mensagens antigas no Whatsapp.

Olha no relógio: ainda são 14h30! O que fará pelo resto da tarde? Ouvir John Mayer? Escrever, talvez. Não. Vai colocar os fones de ouvido e correr. É, vai correr... Embora, correr, não seja bem a palavra. Vai andar e, a cada 15 minutos, andar mais rápido um pouquinho. Suar. Ficar cansado e colocar os bofes para fora, para em seguida tomar um bom e merecido banho.

E vai, então, aguardar pelo jantar. Talvez vá merecer um temaki? "Salmão completo". "Cream cheese e cebolinha?". "Sim, por favor". "CPF na nota, senhor?". "Sim. Ou melhor, não".

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Silêncio


Cada um dos dedos pesa uma tonelada. Mal têm forças para encontrar as teclas, em geral tão fáceis.

Os cadarços, que fiquem desamarrados, mesmo.

As costas, que fiquem curvadas, e os ombros, caídos. Vaidade, não há.

A barba, fica por fazer. Porque olhar-se no espelho dá muito trabalho. Ou muito medo.

Os olhos, ásperos, enxergam pela fresta que a duras penas se mantém, ao final de longas e penosas piscadas que imploram por não abrir.

A boca, seca, não fala. A voz rouca, primitiva, quase inaudível, grunhe apenas o indispensável.

A respiração às vezes se esquece de ser. E, aqui e ali, encomenda um longo suspiro ou bocejos de corpo inteiro, em busca de um ar que parece faltar. Ou que, teimoso, falta, de fato.

O ruído dos pés se arrastando pelo chão, reforça um cansaço, que, impiedoso, acorrenta os sentidos e as ideias, deixando lugar apenas para o absolutamente essencial.

E tudo o que se quer é um pouco, só um pouquinho de silêncio. Um silêncio horizontal. Silêncio com cheiro de travesseiro limpo e temperatura de abraço.

Silêncio do corpo, para descansar um pouco. Só um pouco. Só um pouco...



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