sexta-feira, 22 de julho de 2011

Lembranças de Quem Fomos


Pouca gente sabe uma coisa a meu respeito: nasci no estado do Ceará. Meus pais se casaram em Belém e se mudaram imediatamente para Fortaleza, onde eu e meu irmão nascemos. Saímos de lá quando eu tinha 2 anos e meio. Vivemos mais 1 ano em Recife e, em seguida, viemos para São Paulo. Então, não é de se estranhar que eu me sinta 100% paulista. Foi em São Paulo que cresci, que aprendi a ler, que fiz meus melhores amigos, vivi minhas paixões e meus amores, descobri meus talentos, meus medos e minhas fraquezas. Foi em SP que me casei (com uma Uruguaia de nascimento e paulista de criação, como eu) e aqui nasceram minhas filhas.

Como minha família é toda de Belém, não mantive vínculos em Fortaleza. Passei mais de 20 anos sem ir à cidade. Em meados dos anos 90, estive lá, a trabalho. Imagine uma pessoa de roupa social, andando num calçadão em frente à praia no final de tarde. Isto foi o mais perto que cheguei do mar naquelas 24 horas.

Em 2011, com 34 anos, fui pela primeira vez como turista a Fortaleza, onde fiquei durante 9 dias com a esposa e filhas. Comecei a escrever este texto no voo de retorno para SP, embora só tenha conseguido terminá-lo quase uma semana depois.

Não, não trata-se de uma redação entitulada "Minhas férias". Mas não posso deixar de escrever sobre o que elas me fizeram pensar e sentir.

Fiz todos os passeios que queria fazer: andei de buggy por dunas que pareciam de açúcar, andei de Pau de Arara (aqueles precários caminhões com banco duro de madeira, em que os retirantes faziam inimagináveis viagens fugindo da seca), fiz passeio de jangada e nadei em alto-mar olhando para o céu, mergulhei em lagoas, desci rampas imensas no skibunda e fiquei à milanesa ao rolar pela areia, fotografei calangos, desci tobogãs altíssimos sentindo o coração na boca, e com ela comi rapadura quente e descobri o gosto do suco de siriguela.

Em cada um desses momentos, me encantei com a receptividade de um povo incrivelmente hospitaleiro. Me senti chegando à casa daquela tia que você não vê há anos, mas que te recebe com tanto carinho, com um abraço tão acolhedor, que te faz sentir íntimo instantaneamente.

O sotaque doce, em alguns momentos curiosamente engraçado, o jeito carinhoso de chamarem uns aos outros de "meu amor" e uma simplicidade sem subserviência, me fez sentir um orgulho enorme de ser conterrâneo daquela gente - e de ser brasileiro.

Tem gente em São Paulo que diz que "aqui nós trabalhamos em dobro porque lá ninguém faz nada". Isto é mentira. Trabalhamos muito, sim, é verdade. Mas eles também! Sabe quantos "pedintes" eu vi em 9 dias de Fortaleza? Poucos. Muito poucos. Menos do que vejo no trajeto entre a minha casa e o trabalho, todos os dias. Vi, sim, muita economia informal. Mas era gente trabalhando! Não vi quase ninguém pedindo!

Vi bugueiros uniformizados organizados em cooperativas, extremamente bem treinados para atender turistas. Vi cardápios de restaurantes em 4 idiomas - coisa que não me recordo de ter visto em nenhum dos restaurantes que frequento aqui ou em qualquer outro lugar. Passamos uma hora com uma simpática índia analfabeta que fazia artesanato "desenhando" os nomes das pessoas, com as letras que ela sabia reconhecer, mas que juntas formavam sílabas que ela não sabia ler. Vi homens fazendo lindas e trabalhosíssimas artes com areia colorida em pequenas garrafinhas, a preços inferiores a uma bola de sorvete no shopping center.

E vi muitos e muitos sorrisos de um povo que, como boa parte dos outros do Norte, do Nordeste, do Centro-Oeste, irradia um calor que nós aqui em São Paulo, por mais cortezes que sejamos, simplesmente não temos. E se não o perdemos de todo, ainda, é porque há muitos deles vivendo aqui. Quando nos referimos com orgulho à "alegria do nosso povo", em geral é neles que estamos pensando.

Andei várias horas de ônibus ao lado da minha filha mais velha - uma moçona de 10 anos - e dei colo para ela, enquanto dormia como um bebê.

Fiz esculturas de areia! Adoro! Não, não tenho nenhum talento notável nesta área, não. São até bem feinhas. Mas fazê-las é uma coisa que me dá muita paz, muita tranquilidade... ficar ali, mexendo na areia, pacientemente, batendo, cavando, modelando e me sentindo criança outra vez.

Fiz minhas esculturas com minhas filhas, sempre próximas ao mar. Uma delas, na Praia das Fontes, foi o corpo de uma mulher, que chamamos - talvez sem muita originalidade - de Iracema. Outra, foi o rosto de um garotinho, que - definitivamente sem originalidade nenhuma - chamamos de Cumbuquinho, na praia de (adivinha!) Cumbuco.

A Iracema, fizemos na maré baixa e fomos embora da praia deixando-a lá, deitada e intacta.

Mas o Cumbuquinho, não. Quando terminamos, a escultura do rosto do menino sorrindo estava bem próxima ao mar. A fotografia no início deste texto foi tirada exatamente 2 segundos antes de uma onda destruir a escultura por completo. Minha filha mais nova, de 8 anos, ficou muito, muito triste. Uma tristeza tão grande, em um choro tão sincero, que me segurei para não chorar também. Não pelo Cumbuquinho - porque acho bonito pensar que o Cumbuquinho, na verdade, não era meu, nem nosso: era da praia. E a onda simplesmente estava devolvendo-o à sua verdadeira dona.

Quase chorei, na verdade, pelo sentimento de "saudade" que vi no rosto da minha pequena. Saudade do sorriso esculpido, que tinha voltado a ser praia. Pegamos na mãozinha dela, limpamos suas lágrimas e dissemos que tinha sido uma bela escultura e que ela estaria sempre em sua lembrança. E, olha só que sorte! Ainda tínhamos foto!

Nesta viagem, me senti privilegiado por vivermos momentos tão lindos e tão marcantes quanto um sorriso maior que o próprio rosto, ao se andar de buggy de frente para o vento, ou uma lágrima por algo que passou a estar apenas na lembrança, mas que trará, espero, sorrisos doces quando elas se recordarem da infância, em um futuro mais próximo do que gosto de imaginar.

Volto para São Paulo certo de que quero ser um pouquinho mais cearense. E certo de que as recordações que trazemos de lá - e de quaisquer outros lugares ou pessoas - estão, sim, nas fotos, nos souveniers e nos presentes. Mas, antes de tudo, estão nas lembranças de nós mesmos e de quem fomos quando lá estivemos. E, caramba, nós fomos felizes. Ah, como fomos felizes!

sábado, 2 de julho de 2011

Aquelas Mulheres de Branco

Semana passada, no feriado de Corpus Christi, passei uns dias descansando com a família em um hotel. E "descansando" é mesmo a palavra mais adequada: como todos que pegam no pesado, neste meio de ano eu estava precisando de uma pausa, que me permitisse desligar os motores e sossegar por alguns dias.

Só que, neste resort em que fiquei, em Campinas, entre as várias pessoas que vi, algumas delas me chamaram atenção especial: as personagens que dão título a este texto; as babás, aquelas mulheres de branco, que viajaram junto com seus patrões. Como estamos em Julho - época de férias escolares, em que muitas famílias viajam - achei oportuno escrever a respeito.

Mas, antes, quero deixar muito claro que não tenho absolutamente nada contra quem viaja com suas babás. De modo algum! Apenas aproveito para colocar no papel (na tela, você entendeu, vai!) algumas ideias sobre pais, filhos e convivência em família.

É claro que para algumas daquelas moças e senhoras, estar ali representa uma oportunidade muito bacana: um resort bonitão, com comida de primeiríssima qualidade, ambiente agradável e, visivelmente, patrões que gostam delas e valorizam sua presença. Não vi, em momento algum, alguém sendo ríspido ou grosseiro com elas. Ainda que seja a trabalho, imagino que estar ali seja uma coisa prazerosa.

Mas, o que realmente significa, do ponto de vista dos pais, a presença das babás ali? E não posso falar disso, sem falar de mim mesmo e da minha relação com a família.

Quem já leu meus textos anteriores, sabe que eu sou daqueles que trabalha 14 horas por dia. Não me considero workaholic, em absoluto. Já fui, mas não mais. Trabalho muito e gosto do que faço, mas encontro prazer em muitas outras atividades, que nada têm a ver com trabalho. Entre esses prazeres, está o de ficar com minhas filhas.

É verdade que, ficando em casa, mesmo que estejamos juntos, às vezes caímos numa rotina meio tola: cada um para o seu lado, lendo, jogando video-game, navegando na internet. Mas, muitas vezes, também estamos fazendo "nada" juntos: brincando, contando histórias, assistindo House e fazendo comentários sobre sua personalidade intrigante e maluca. E, nestes momentos, sinto um grande prazer.

É claro que ir viajar é uma ótima oportunidade para descansarmos. Mas confesso que nunca me imaginei indo para um local destes, e me abstendo de "cuidar" das minhas filhas. É claro que há os tios da recreação, e elas passam algum tempo com eles. Mas elas também ficam boa parte do dia com a gente e gostam de fazê-lo. Não vejo nos tios uma chance de "finalmente me livrar das crianças". Quero férias, sim, mas não das minhas próprias filhas. Estando ali, elas são automaticamente parte fundamental do meu descanso e dos prazeres que as férias - não importa quão curtas - me proporcionam.

Se elas não estiverem junto, aí é outra coisa. Já viajei sem as crianças, sim. É foi ótimo! Acho que os pais que têm esta chance, devem fazê-lo, vez em quando. Mas isto não é sempre! Quando estamos com as crianças, estamos realmente com as crianças!

Voltemos às babas. Imagino que algumas, lá no resort, talvez até dormissem no mesmo quarto que as crianças, para que os pais pudessem ter a devida privacidade, depois de um dia bem aproveitado ao sol. Algumas famílias, com 2 filhos, tinham uma babá para cada criança, inclusive.

Muitos daqueles pais que estão ali, devem trabalhar muito, como eu. E talvez fiquem pouco com suas filhas, como eu. E devem também estar ansiosos por um merecido descanso, como eu. No entanto, ao levar as babás, estes pais e mães perdem a oportunidade de, finalmente, passar momentos com os filhos fora de casa, como uma família - com as partes boas e as ruins. Ao levar as mulheres de branco, os pais ficam só com "a parte fácil" da convivência com os filhos, sempre limpos, banhados, de dentes escovados e cabelos penteados. Isto, convenhamos, não é muito diferente das noites, quando chegam em casa tarde, e vão dar um beijinho nas crianças, já adormecidas. No final das contas, viajaram com as crianças e mantêm delas, voluntariamente, a mesma distância asséptica que têm no dia-a-dia, por imposição da vida atarefada. Bem, isso para não falar daquelas que de atarefadas não têm nada... e ainda assim, levam as babás.

Felizmente, na minha família, tivemos a felicidade de contar com vovós quando nossas filhas eram pequenas, para nos ajudarem - e contamos até hoje, eventualmente. Isto nos permitiu não precisar de babás. Imagino que seja bastante difícil para aquelas mães e pais que vivem longe de suas famílias, ter que confiar a terceiros os cuidados aos seus filhos. É por isso que respeito e valorizo muito o trabalho das babás e os laços de amor que muitas delas criam com as crianças sob seus cuidados.

Talvez para algumas daquelas famílias, a babá seja realmente parte da família - o que legitima sua presença ali. Mas acredito que a maioria delas não as vê assim, não importa quão bem as tratem. Parece-me que muitos daqueles pais e mães perdem uma chance ímpar de, finalmente, cumprir um papel que habitualmente é da mulher de branco: simplesmente estar com os filhos. Dá trabalho, sim. E, se dá trabalho, mesmo que possam encarregar-se dele, simplesmente continuam a delegá-lo, para que outrem o faça.

Não estou apto a dizer que impacto isto terá na vida dessas crianças e dos futuros filhos destas crianças. Mas espero que isto não as faça acreditar que a distância é boa. A Privacidade é boa e a individualidade, também. Mas, distância, não.

Olhando minhas filhas de 10 e 8 anos, e quão rápido cresceram, "distância" é uma coisa que eu não quero neste momento. A vida vai se encarregar de fazer isto naturalmente, quando crescerem mais. Mas, enquanto não faz, quero me sentar com elas à mesa para fazer as refeições, brigar para que não limpem a mão na toalha de mesa e lembrá-las mil vezes de mastigar com a boca fechada. Fácil, não é. Muitas vezes, nada prazeroso. Mas a vida não é feita só de prazeres, é? Certamente as mulheres de branco saberiam falar muito bem a este respeito.






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