segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

"Baixando" a guarda - Reflexões para 2013

No texto de Ano Novo de 2012, desejei aos meus amigos leitores "Grandes Decisões". Desejei que tivéssemos a atitude de decidir o que precisava ser decidido e fazer o que tinha para ser feito. Sugeri que olhássemos para frente, e não para trás. Talvez tenha sugerido isto tudo devido a um inconsciente "senso de urgência", temendo por um mundo que estaria por acabar - muito embora não acreditasse que de fato aconteceria. Como, de fato, não aconteceu. Estamos aqui, vivinhos e respirando, pensando em como vamos continuar, já que, bem, não acabou.

Este ano, meu desejo não invalida o do ano passado. Mas, confesso, é um desejo mais trivial, mais mundano. Em 2013, desejo que a gente "baixe a guarda". "Baixe", assim mesmo, escrito do jeito errado. Desejo que  a gente filtre menos, experimente mais, proteja-se menos daquilo que não conhece e que é automaticamente questionável e desinteressante. Desejo que busquemos menos a perfeição.

Isso não quer dizer que devamos aceitar qualquer coisa! Não, não! De modo algum! Não proponho que nos tornemos daquelas pessoas para as quais tudo está sempre bom, aceitável ou tolerável. Não proponho que aceitemos o medíocre, fácil ou basal. Nah! Não proponho uma resignação coletiva, que nos faça aceitar automaticamente o que é simplesmente inaceitável. Não é isso! Buscar a perfeição é louvável. O problema está em não aceitar aquilo que ainda não é perfeito - também conhecido como "praticamente tudo nesta vida".

O que proponho, na verdade, é de fato olharmos de frente para o outro. De frente mesmo, com olhos bem abertos e atentos, com a luz acesa. Não um olhar de lado, desconfiado ou de relance, apenas. Porque, ao olhar para muitas coisas, muitas situações e muitas pessoas, é impossível que pelo menos uma parte delas não nos pareça minimamente interessante. Ou não esteja à nossa suposta altura.

Confesso que tenho uma tendência extrema a ser centralizador, a trabalhar sozinho, a querer tudo exatamente do meu jeito, porque qualquer outro é ruim. Sou campeão em julgar os outros. Já me disseram várias vezes que eu me acho o Dono da Verdade. Eu ponho o dedo em riste e falo sem hesitar: "Isto é uma falácia! Não sou Dono na Verdade! Eu simplesmente tenho certeza de que estou certo quando estou certo!" Humpf!

Mas é verdade, sim. Ao longo da vida, sempre achei que a Verdade fosse um cachorrinho Chihuahua com olhos esbugalhados, que me seguia numa coleira onde quer que eu fosse, latindo corajosamente para quem ousasse desafiar seu ridículo latido pseudo-feroz.

Uma certa dose de timidez, aliada a uma imensa dose de perfeccionismo, me transformaram em um chato profissional e um centralizador permanente. Ainda que isto tenha dado certo em alguns aspectos - não posso reclamar da vida, em absoluto -, em outros, tornaram-me uma pessoa um tanto inacessível e um bocado inflexível.

Nos últimos anos, felizmente, a esposa que é meu exato oposto no quesito "sociabilidade", um par de filhas que me fazem de gato-e-sapato, aulas de dança de salão que me forçam a lidar com o improviso e com minhas inabilidades, e uma atividade profissional que me leva a conviver com outras pessoas para poder levar projetos adiante em equipe, me fizeram melhorar, sim. Me fizeram querer estar com outras pessoas, com situações inesperadas ou com diferenças fundamentais daquilo que reflito no espelho.

E, caramba, que bem isto me fez! Não, não me tornei uma pessoa melhor. Continuo o mesmo ermitão de sempre, mas as pessoas que me tiraram da caverna. Não fui eu, foi a vida que melhorou. Quando passei a reconhecer nas pessoas os inumeráveis talentos que me faltam, quando passei a depender mais delas, e menos de mim mesmo, tornei-me um ermitão mais feliz.

Hoje em dia, vemos muitos educadores falando que a geração atual só pensa em si, só quer saber de ter seus próprios caprichos atendidos, imediatamente. Em uma época em que cada um tem o seu próprio computador, a sua própria TV e os seus fones de ouvido que o isolam do resto do mundo, passamos a ter uma sensação cada vez maior de independência, de auto-suficiência, de "que se dane o resto do mundo", porque, afinal, "eu sou mais eu".

O que eu desejo, para 2013, é que sejamos "sou mais nós". Sim, as multidões muitas vezes são burras e medíocres. Sim, às vezes as pessoas gostam daquilo que odiamos. E, não, não precisamos necessariamente gostar delas, ainda que as aceitemos. Mas, por outro lado, quantas outras podem gostar do mesmo que nós? E quantas outras podem nos ensinar a gostar de coisas que, de outro modo, não teríamos nos permitido sequer conhecer?

Desejo, meu caro amigo leitor, que em 2013 os chihuahuas Donos da Verdade se calem. Desejo que seja um ano em que continuemos e nos afastar do ruim, mas que possamos nos abrir para aceitar que o "apenas bom" muitas vezes já é muito mais do que merecemos. Desejo que busquemos a felicidade no que nos dá prazer e nos causa alegria, mesmo que exija sacrifício, trabalho e disciplina. Desejo que se busque o melhor, mesmo que não seja o perfeito. Porque, afinal, o perfeito habita somente o amanhã.

Feliz 2013!

domingo, 2 de dezembro de 2012

Não era o Cirque du Soleil


Sabe, eu tive a felicidade de ver alguns espetáculos realmente extraordinários ao longo dos anos. Espetáculos realmente memoráveis, daqueles que, no meio, você para e pensa "Caramba, que privilégio é poder assistir isto!".

Hoje vi um espetáculo com um propósito muito diferente dessas super-produções. Nele, estava a minha filha menor, atualmente com 9 anos. Era um espetáculo de circo, com alunos de 8 a 14 anos, na escola onde estuda - e onde eu também estudei.

Durante uma hora e meia, vimos um enorme grupo de crianças - umas 100, talvez - fazendo as coisas mais básicas que se pode fazer em um circo: malabarismo, equilibrismo, acrobacias, cambalhotas, contorcionismo. Básicas, sim, mas incrivelmente encantadoras. Não havia nenhum super-homem, dando 5 saltos mortais em uma corda bamba, nem malabarismos com fogo, nem trapézios sem rede a dezenas de metros de altura. Não. Eram crianças mostrando, em um espetáculo cuidadosamente pensado para que elas pudessem brilhar, aquilo que aprenderam a fazer no curso de circo.

Recentemente participei de uma das aulas, que foi aberta aos pais. Pobre de mim - e dos outros pais e mães que participaram. As tais coisas "básicas", para nós, meros adultos, eram muitas vezes impossíveis. Andar numa perna de pau? Só se fosse para dar um passo e cair. Subir no trapézio? Só apoiando-me na perna da professora, que tem quase metade da minha idade e do meu peso. Dar cambalhota? Só afrouxando o cinto da calça...

No espetáculo de hoje elas não eram o Cirque du Soleil, mas me fizeram sorrir ininterruptamente por uma hora e meia. Me encantou ver as crianças fazendo aquelas coisas inimagináveis para nós, adultos. Mesmo as mais simples. Algumas, real e assustadoramente difíceis. Elas me fizeram torcer para que cada malabarismo desse certo, para que cada salto fosse mais alto, para que cada aplauso se fizesse ouvir. Torci e vibrei com todas elas. Me diverti como... bem... como criança.

O Cirque du Soleil é encantador, sem sombra de dúvida. Ele nos mostra até onde o talento, a disciplina, a excelência, podem chegar. Nele, aplaudimos o que há de melhor, o que não se vê em qualquer outro lugar. Nele, admiramos quem chegou no limite.

Mas, hoje, aquelas crianças mostraram a "outra ponta" desse fio: o negócio delas não era "ser o melhor", não era fazer o impossível, nem mostrar um talento excepcional em cada uma das apresentações. O negócio delas era mostrar que o possível, que é extraído também com dedicação, com esforço, com auto-confiança, persistência e coragem, é também incrivelmente desafiador e deliciosamente divertido. Vi, sinceramente, que todas delas - mesmo as mais nervosas - se divertiram e pareciam genuinamente orgulhosas do que ali apresentavam. Mal sabem elas que talvez estivessem nos ensinando mais ainda do elas que próprias tinham aprendido.

Que privilégio dessas crianças passar por essas experiências! Que privilégio para os pais assistir a isto de camarote! Que auto-confiança terão elas no futuro, sabendo do que são capazes e sabendo que "se eu tentar de novo, vou conseguir"! Que legal ver minha filha fazendo algo que eu, no auge da minha vida adulta, não sou capaz de fazer. Se é mesmo verdade que os filhos são sempre melhores do que os pais, hoje vi isto com todas as cores (e eram várias, imagine) e tons.

Em um mundo tão guiado pela competitividade, em que os segundos lugares são apenas tão importantes quanto os últimos, em que o novo é imediatamente descartado pelo novíssimo, em que o legal é esquecível porque só vale o que é extraordinário, adorei ver as crianças se divertindo ao desafiarem os seus próprios limites, e não lutando para ultrapassar limites que alguém lhes impôs, porque ficou-se definido que abaixo daquilo seria inaceitável.

Todos nós já ouvimos alguém dizer (ou talvez tenhamos dito, nós mesmos): "Caramba, eu não sou bom em nada! Não sou bom aluno, não sei cantar, não sei tocar um instrumento, não falo línguas, não danço bem, não sou bom em esportes, ninguém quer me namorar." Mas aí o tempo passa, e a vida e as experiências que ela promove inevitavelmente nos levam a percorrer certos caminhos que nos permitem descobrir talentos que nem sabíamos que tínhamos. Sei lá... Você pode ser bom no cubo mágico. Ou você pode saber fazer mágica. Ou pode saber contar piadas. Ou sabe tudo sobre cinema. Você se torna bom em algumas coisas e descobre que há pessoas que o valorizam por isto, mesmo que não pareça muito útil à primeira vista, mesmo que não façamos do talento nossa profissão. Talvez aí esteja um dos segredos para ser feliz: extrair prazer daquilo que os talentos proporcionam, independente de sua "utilidade" imediata. E olha que simples! Para que se possa descobrí-los, basta experimentar.

Minha filha, e todas aquelas crianças, estavam fazendo hoje exatamente isso: experimentando, permitindo-se descobrir aquilo de que gostam mais, aquilo no que têm mais facilidade ou mais dificuldade. Quais são, enfim, seus talentos; aquilo no que são boas, ou não. E, se não são, vão descobrir em que coisas querem investir, para que possam melhorar. Aquelas crianças estão, não tenho dúvidas, se preparando para serem adultos que se conheçam bem, mas que sejam humildes o suficiente para se perguntarem "o que posso aprender hoje?".

Que brincadeira deliciosamente séria esta, a do circo. Não, não era o Cirque du Soleil. Nele, vemos o fim do caminho, o topo da montanha, o sucesso de quem "chegou lá". Lindo, sem dúvida. Mas, hoje, vi o início da jornada, a base da montanha, o rostinho de pequenas pessoas com uma infinidade de caminhos a percorrer e uma imensidão de talentos por descobrir - no circo ou fora dele. Uma visão tão deslumbrante, sem dúvida, quanto a melhor das atrações do melhor dos espetáculos que já vi, e que, não surpreendentemente, me fez pensar a mesma frase: "Caramba, que privilégio é poder assistir isto!".



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