segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

"Baixando" a guarda - Reflexões para 2013

No texto de Ano Novo de 2012, desejei aos meus amigos leitores "Grandes Decisões". Desejei que tivéssemos a atitude de decidir o que precisava ser decidido e fazer o que tinha para ser feito. Sugeri que olhássemos para frente, e não para trás. Talvez tenha sugerido isto tudo devido a um inconsciente "senso de urgência", temendo por um mundo que estaria por acabar - muito embora não acreditasse que de fato aconteceria. Como, de fato, não aconteceu. Estamos aqui, vivinhos e respirando, pensando em como vamos continuar, já que, bem, não acabou.

Este ano, meu desejo não invalida o do ano passado. Mas, confesso, é um desejo mais trivial, mais mundano. Em 2013, desejo que a gente "baixe a guarda". "Baixe", assim mesmo, escrito do jeito errado. Desejo que  a gente filtre menos, experimente mais, proteja-se menos daquilo que não conhece e que é automaticamente questionável e desinteressante. Desejo que busquemos menos a perfeição.

Isso não quer dizer que devamos aceitar qualquer coisa! Não, não! De modo algum! Não proponho que nos tornemos daquelas pessoas para as quais tudo está sempre bom, aceitável ou tolerável. Não proponho que aceitemos o medíocre, fácil ou basal. Nah! Não proponho uma resignação coletiva, que nos faça aceitar automaticamente o que é simplesmente inaceitável. Não é isso! Buscar a perfeição é louvável. O problema está em não aceitar aquilo que ainda não é perfeito - também conhecido como "praticamente tudo nesta vida".

O que proponho, na verdade, é de fato olharmos de frente para o outro. De frente mesmo, com olhos bem abertos e atentos, com a luz acesa. Não um olhar de lado, desconfiado ou de relance, apenas. Porque, ao olhar para muitas coisas, muitas situações e muitas pessoas, é impossível que pelo menos uma parte delas não nos pareça minimamente interessante. Ou não esteja à nossa suposta altura.

Confesso que tenho uma tendência extrema a ser centralizador, a trabalhar sozinho, a querer tudo exatamente do meu jeito, porque qualquer outro é ruim. Sou campeão em julgar os outros. Já me disseram várias vezes que eu me acho o Dono da Verdade. Eu ponho o dedo em riste e falo sem hesitar: "Isto é uma falácia! Não sou Dono na Verdade! Eu simplesmente tenho certeza de que estou certo quando estou certo!" Humpf!

Mas é verdade, sim. Ao longo da vida, sempre achei que a Verdade fosse um cachorrinho Chihuahua com olhos esbugalhados, que me seguia numa coleira onde quer que eu fosse, latindo corajosamente para quem ousasse desafiar seu ridículo latido pseudo-feroz.

Uma certa dose de timidez, aliada a uma imensa dose de perfeccionismo, me transformaram em um chato profissional e um centralizador permanente. Ainda que isto tenha dado certo em alguns aspectos - não posso reclamar da vida, em absoluto -, em outros, tornaram-me uma pessoa um tanto inacessível e um bocado inflexível.

Nos últimos anos, felizmente, a esposa que é meu exato oposto no quesito "sociabilidade", um par de filhas que me fazem de gato-e-sapato, aulas de dança de salão que me forçam a lidar com o improviso e com minhas inabilidades, e uma atividade profissional que me leva a conviver com outras pessoas para poder levar projetos adiante em equipe, me fizeram melhorar, sim. Me fizeram querer estar com outras pessoas, com situações inesperadas ou com diferenças fundamentais daquilo que reflito no espelho.

E, caramba, que bem isto me fez! Não, não me tornei uma pessoa melhor. Continuo o mesmo ermitão de sempre, mas as pessoas que me tiraram da caverna. Não fui eu, foi a vida que melhorou. Quando passei a reconhecer nas pessoas os inumeráveis talentos que me faltam, quando passei a depender mais delas, e menos de mim mesmo, tornei-me um ermitão mais feliz.

Hoje em dia, vemos muitos educadores falando que a geração atual só pensa em si, só quer saber de ter seus próprios caprichos atendidos, imediatamente. Em uma época em que cada um tem o seu próprio computador, a sua própria TV e os seus fones de ouvido que o isolam do resto do mundo, passamos a ter uma sensação cada vez maior de independência, de auto-suficiência, de "que se dane o resto do mundo", porque, afinal, "eu sou mais eu".

O que eu desejo, para 2013, é que sejamos "sou mais nós". Sim, as multidões muitas vezes são burras e medíocres. Sim, às vezes as pessoas gostam daquilo que odiamos. E, não, não precisamos necessariamente gostar delas, ainda que as aceitemos. Mas, por outro lado, quantas outras podem gostar do mesmo que nós? E quantas outras podem nos ensinar a gostar de coisas que, de outro modo, não teríamos nos permitido sequer conhecer?

Desejo, meu caro amigo leitor, que em 2013 os chihuahuas Donos da Verdade se calem. Desejo que seja um ano em que continuemos e nos afastar do ruim, mas que possamos nos abrir para aceitar que o "apenas bom" muitas vezes já é muito mais do que merecemos. Desejo que busquemos a felicidade no que nos dá prazer e nos causa alegria, mesmo que exija sacrifício, trabalho e disciplina. Desejo que se busque o melhor, mesmo que não seja o perfeito. Porque, afinal, o perfeito habita somente o amanhã.

Feliz 2013!

domingo, 2 de dezembro de 2012

Não era o Cirque du Soleil


Sabe, eu tive a felicidade de ver alguns espetáculos realmente extraordinários ao longo dos anos. Espetáculos realmente memoráveis, daqueles que, no meio, você para e pensa "Caramba, que privilégio é poder assistir isto!".

Hoje vi um espetáculo com um propósito muito diferente dessas super-produções. Nele, estava a minha filha menor, atualmente com 9 anos. Era um espetáculo de circo, com alunos de 8 a 14 anos, na escola onde estuda - e onde eu também estudei.

Durante uma hora e meia, vimos um enorme grupo de crianças - umas 100, talvez - fazendo as coisas mais básicas que se pode fazer em um circo: malabarismo, equilibrismo, acrobacias, cambalhotas, contorcionismo. Básicas, sim, mas incrivelmente encantadoras. Não havia nenhum super-homem, dando 5 saltos mortais em uma corda bamba, nem malabarismos com fogo, nem trapézios sem rede a dezenas de metros de altura. Não. Eram crianças mostrando, em um espetáculo cuidadosamente pensado para que elas pudessem brilhar, aquilo que aprenderam a fazer no curso de circo.

Recentemente participei de uma das aulas, que foi aberta aos pais. Pobre de mim - e dos outros pais e mães que participaram. As tais coisas "básicas", para nós, meros adultos, eram muitas vezes impossíveis. Andar numa perna de pau? Só se fosse para dar um passo e cair. Subir no trapézio? Só apoiando-me na perna da professora, que tem quase metade da minha idade e do meu peso. Dar cambalhota? Só afrouxando o cinto da calça...

No espetáculo de hoje elas não eram o Cirque du Soleil, mas me fizeram sorrir ininterruptamente por uma hora e meia. Me encantou ver as crianças fazendo aquelas coisas inimagináveis para nós, adultos. Mesmo as mais simples. Algumas, real e assustadoramente difíceis. Elas me fizeram torcer para que cada malabarismo desse certo, para que cada salto fosse mais alto, para que cada aplauso se fizesse ouvir. Torci e vibrei com todas elas. Me diverti como... bem... como criança.

O Cirque du Soleil é encantador, sem sombra de dúvida. Ele nos mostra até onde o talento, a disciplina, a excelência, podem chegar. Nele, aplaudimos o que há de melhor, o que não se vê em qualquer outro lugar. Nele, admiramos quem chegou no limite.

Mas, hoje, aquelas crianças mostraram a "outra ponta" desse fio: o negócio delas não era "ser o melhor", não era fazer o impossível, nem mostrar um talento excepcional em cada uma das apresentações. O negócio delas era mostrar que o possível, que é extraído também com dedicação, com esforço, com auto-confiança, persistência e coragem, é também incrivelmente desafiador e deliciosamente divertido. Vi, sinceramente, que todas delas - mesmo as mais nervosas - se divertiram e pareciam genuinamente orgulhosas do que ali apresentavam. Mal sabem elas que talvez estivessem nos ensinando mais ainda do elas que próprias tinham aprendido.

Que privilégio dessas crianças passar por essas experiências! Que privilégio para os pais assistir a isto de camarote! Que auto-confiança terão elas no futuro, sabendo do que são capazes e sabendo que "se eu tentar de novo, vou conseguir"! Que legal ver minha filha fazendo algo que eu, no auge da minha vida adulta, não sou capaz de fazer. Se é mesmo verdade que os filhos são sempre melhores do que os pais, hoje vi isto com todas as cores (e eram várias, imagine) e tons.

Em um mundo tão guiado pela competitividade, em que os segundos lugares são apenas tão importantes quanto os últimos, em que o novo é imediatamente descartado pelo novíssimo, em que o legal é esquecível porque só vale o que é extraordinário, adorei ver as crianças se divertindo ao desafiarem os seus próprios limites, e não lutando para ultrapassar limites que alguém lhes impôs, porque ficou-se definido que abaixo daquilo seria inaceitável.

Todos nós já ouvimos alguém dizer (ou talvez tenhamos dito, nós mesmos): "Caramba, eu não sou bom em nada! Não sou bom aluno, não sei cantar, não sei tocar um instrumento, não falo línguas, não danço bem, não sou bom em esportes, ninguém quer me namorar." Mas aí o tempo passa, e a vida e as experiências que ela promove inevitavelmente nos levam a percorrer certos caminhos que nos permitem descobrir talentos que nem sabíamos que tínhamos. Sei lá... Você pode ser bom no cubo mágico. Ou você pode saber fazer mágica. Ou pode saber contar piadas. Ou sabe tudo sobre cinema. Você se torna bom em algumas coisas e descobre que há pessoas que o valorizam por isto, mesmo que não pareça muito útil à primeira vista, mesmo que não façamos do talento nossa profissão. Talvez aí esteja um dos segredos para ser feliz: extrair prazer daquilo que os talentos proporcionam, independente de sua "utilidade" imediata. E olha que simples! Para que se possa descobrí-los, basta experimentar.

Minha filha, e todas aquelas crianças, estavam fazendo hoje exatamente isso: experimentando, permitindo-se descobrir aquilo de que gostam mais, aquilo no que têm mais facilidade ou mais dificuldade. Quais são, enfim, seus talentos; aquilo no que são boas, ou não. E, se não são, vão descobrir em que coisas querem investir, para que possam melhorar. Aquelas crianças estão, não tenho dúvidas, se preparando para serem adultos que se conheçam bem, mas que sejam humildes o suficiente para se perguntarem "o que posso aprender hoje?".

Que brincadeira deliciosamente séria esta, a do circo. Não, não era o Cirque du Soleil. Nele, vemos o fim do caminho, o topo da montanha, o sucesso de quem "chegou lá". Lindo, sem dúvida. Mas, hoje, vi o início da jornada, a base da montanha, o rostinho de pequenas pessoas com uma infinidade de caminhos a percorrer e uma imensidão de talentos por descobrir - no circo ou fora dele. Uma visão tão deslumbrante, sem dúvida, quanto a melhor das atrações do melhor dos espetáculos que já vi, e que, não surpreendentemente, me fez pensar a mesma frase: "Caramba, que privilégio é poder assistir isto!".

sábado, 28 de julho de 2012

Absolutamente Sensacio... O que era mesmo?


Sabe uma profissão que eu não gostaria de ter? Engenheiro de empresas de aparelhos eletrônicos. Não, não tenho nada contra elas, em absoluto! Aliás, como profissional de tecnologia (em uma empresa de softwares), sou usuário de muitos equipamentos que elas desenvolvem.

Mas me assusta aquilo que essas empresas "personificam": a obsolescência  imediata - um retrato fiel de quem nos tornamos nos últimos 20 anos. Não estou falando de "obsolência programada", não. Isto é coisa do passado. Atualmente, é imediata, mesmo. Essas empresas lançam produtos já sabendo que são ultrapassados. Em poucos meses, tiram de linha o que acabaram de lançar, para dar espaço a uma nova geração mais sofisticada, mais brilhante, mais rápida, mais incrível e, paradoxalmente, mais descartável do que nunca - porque a próxima já está na fila, pronta para ser lançada. Não vou entrar na questão econômica envolvida nisto. Quero, na verdade, pensar nas pessoas e o que isto mostra a respeito delas. De nós, na verdade.

Permita-me pintar uma caricatura: o João. Ou John. Ou Juan. Ou Johann. Ou Jean. Ele está passando a noite na fila para comprar, no dia seguinte, aquele novo celular que vai ser lançado, daquela marca que todos admiram. Mas ele sabe que não está lá porque seja consumista, impulsivo ou influenciável. Não, não! Ele está lá porque é especial, criativo, inovador e precisa de um aparelho à altura da sua importância, do seu raciocínio sofisticado, do seu repertório refinado. Ele é bom demais para ter um aparelho qualquer. Ele precisa daquele aparelho. E, daqui a 6 meses, quando sair outro, ele vai jogar aquele fora e adquirir, novamente, um novinho em folha. Afinal, o que ele vai comprar amanhã de manhã (quando a loja abrir, e ele sair exibindo-o como se fosse um troféu, ou uma ode à sua personalidade inovadora), já vai estar velho em 6 meses, não vai?

Sejamos honestos: não, não vai. Assim como a TV LCD que você comprou há 2 anos não está velha e não precisa já ser trocada pela nova LED 3D. Assim como tantos e tantos outros exemplos, aplicáveis a qualquer fabricante e a muitas famílias de classe média em tempos de "nunca antes na história desse país".

Certo, mas o que isto quer, de fato, dizer? Porque tantos agem assim? Não sou psicólogo e não sei o termo exato para isto. Mas eu acho que esta tal "obsolência imediata" é derivada de um traço que se tornou comum à personalidade de muitos atualmente. É aquilo que chamo de "necessidade permanente de excitação máxima". Explico: à medida em que o repertório aumenta, a tendência é nos tornamos mais exigentes. Isto é assim para tudo na vida, certo? Quem tem carro, não gosta de andar de ônibus. Quem viu o Cirque du Soleil, não se impressiona com qualquer malabarista jogando três bolinhas de tênis para o alto. Quem já viu aquele super show daquela super banda, com luzes, telões e sei-lá-o-quê-mais, pode ter dificuldade de apreciar um mero "voz, violão e banquinho". Quem já viu o "Fantasma da Ópera" pode achar enfadonho aquele monólogo com aquele ator desconhecido naquele pequeno teatro de arena. Pois é. Ficamos mais exigentes quanto mais cresce nosso repertório. Hoje, muitas pessoas, com acesso a viagens, informação, cultura, dinheiro, tornaram-se provavelmente mais exigentes com suas experiências do que seus pais foram.

Este repertório cheio de experiências "incríveis" (sem entrar no mérito se de fato o são) cria nas pessoas uma certa "expectativa por ser encantado sempre". O que vem não pode ser inferior ao que foi. Se a viagem que você fizer hoje for igual à das últimas férias, será apenas razoável. Se o show que você vai ver amanhã for parecido com o que viu alguns meses atrás, será apenas legal. Se o livro daquele autor que você gosta não for sensacional, pode ser sinal de que ele está decadente.

Temos a necessidade de ser, a todo tempo, a cada nova experiência, envolvidos por algo inteiramente novo, surpreendente e avassalador. Criamos aversão ao que é apenas legal, bacana, digno, e esperamos que tudo seja sempre extraordinário, sensacional  e estonteante.  Mesmo que seja um mero aparelho de telefone, que agora - ora, vejam só! - tem câmera dos 2 lados! Enfim, precisamos estar permanentemente em clima de paixão, envolvidos por algo que nos tire do chão e nos faça sentir especiais.

Mas há um problema nas paixões: elas ardem muito intensamente. E fogo demais não aquece e acolhe; simplesmente queima e destroi.

A problema não está nas paixões; está em achar que elas precisam ser permanentes ou que a nova paixão necessariamente substitui as anteriores. Permanência e paixão são palavras opostas. Paixões são, por definição, efêmeras.

Fecha-se o círculo, portanto: as pessoas têm necessidade de paixões, mas elas são necessariamente efêmeras. Então, apaixonam-se o tempo todo por coisas novas e descartam as "antigas", mesmo que não o sejam. A "obsolência imediata", portanto, não é forçada pelas empresas que nos empurram os aparelhos "indispensavelmente novos". É, na verdade, apenas reflexo de quem nos tornamos. É apenas um sintoma. Assim como são os casamentos cada vez mais curtos, os troca-troca de empregos cada vez mais frequentes e os blocos cada vez mais curtos nos programas de TV. Da última vez que soube, o padrão era 7 minutos.

Na verdade, levamos isto a níveis estratosféricos. Não tenho certeza, mas acho que foi o filósofo e escritor Mário Sérgio Cortella que observou que, de posse do controle remoto e das TVs por assinatura com 100 canais, somos capazes de zapear dando a cada um dos canais não mais de 2 segundos para nos conquistar. Depois de passar por todos e não parar em nada, enchemos a boca para dizer: "Caramba, não tem nada de bom passando nessa TV!". Quer ver outro fenômeno? Faça a experiência: ligue uma hora dessas na MTV e assista a um videoclipe qualquer ou veja qualquer comercial de TV, em qualquer canal. Note que na maioria deles, os takes não duram mais de 1 ou 2 segundos. Se passarem disto, tornam-se lentos demais para o seu público-alvo. Observe! 2 Segundos apenas. Mais do que isso, ninguém aguenta.

Mentira. Eu aguento. Você também - caso contrário não estaria lendo um texto deste tamanho, na internet. O que eu acho, realmente, é que o caminho - e talvez amadurecer seja o único possível - seja perceber que há muitas paixões ou emoções que vêm daquilo que é absolutamente singelo, trivial, antigo ou comum. Podemos, sim, nos apaixonar por aquilo que simplesmente é, sem necessariamente ter algo a provar ou um compromisso por impressionar.

Às vezes, você quer, sim, ir no Cirque du Soleil. E quer ver o último filme em tela IMAX 3D com som surround 7.1. Mas, quem já ouviu "Comptine d'un Autre Été", de "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", sabe como uma música tão simples pode ser absolutamente encantadora. Quem já acariciou os cabelos de um filho ao adormecer, depois de um dia de brincadeiras, sabe quão sublime este momento é. Quem esteve em frente a uma paisagem completamente longe de qualquer civilização, sabe que a lembrança de alguns poucos minutos pode durar a vida toda. Às vezes, um simples banho numa cachoeira fria pode ser tão revigorante quanto a melhor das massagem naquele spa sofisticadíssimo. O monólogo do ator desconhecido no teatro de arena pode, sim, ser excepcional, mesmo que simples. E mesmo quem já sentiu o aroma do mais encantador dos perfumes, pode sorrir ao sentir o cheiro de naftalina, que faz lembrar a casa da avó ou aquela casa de praia que frequentou na infância.

É, o problema não está nas paixões, nem nos aparelhos, nem nas recompensas. Sou amplamente a favor de recompensas. O problema está em achar que estas recompensas - e as paixões que as buscam - precisam ser necessariamente sublimes, grandiosas, novas ou exclusivas. Não precisam.

Enquanto o João John Juan Johann Jean não entender isto, vai continuar procurando - provavelmente sem encontrar - paixões em telas pequenas e pretas, onde armazena "sua vida" em contatos, arquivos e fotos instantâneas de lugares e pessoas - talvez mais de 50% delas de si próprio: "Eu e a praia". "Eu e minha cerveja". "Eu meus músculos após a malhação". E vai continuar passando a noite em filas para comprar novos apetrechos que mostram que ele é, na verdade, exatamente aquilo que esforça-se tanto em negar ser.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Para se achar ou se perder


Mais de cinco meses se passaram, desde meu último post neste blog. E eu que imaginei que conseguiria mantê-lo com conteúdos pelo menos mensais. Ingenuidade a minha... Mas a verdade é que a razão pela qual eu não escrevi, não foi falta de tempo. Não só.

Quem faz um blog, escreve cartas abertas, publica, é, na verdade, meio convencido. Acredita piamente que tem algo a dizer ao mundo que é absolutamente indispensável, que precisa ser dito, que é tão grande e tão interessante que não cabe dentro de si e que merece ser revelado. Pretensioso, eu sei. E, sim, me senti deste modo cada vez que publiquei aqui.

Mas, este ano, não. Abstive-me de escrever, porque acreditei durante vários meses que meus (poucos, mas fieis) leitores mereciam algo mais do que eu poderia oferecer. Não sei exatamente o porquê, mas foi assim que me senti.

Na verdade, acho que sei: porque não estou em condições de julgar nada, nem ninguém. Ao escrever algo, inevitavelmente estou julgando: uma pessoa, uma situação, um esteriótipo ou qualquer outra coisa externa a mim, que me gera uma opinião incômoda feito um fio de cabelo na boca ou um grão de areia nos olhos, que precisa sair a qualquer custo.

Hoje, não. Não estou em posição de achar explicações que justifiquem isto ou aquilo. Posso, sim, observar, tentar entender. Mas a julgar, não me sinto autorizado, meus amigos. E eu não queria escrever enquanto houvesse qualquer tipo de julgamento em minhas palavras.

Curiosamente, em janeiro deste ano, tive a honra de fazer uma viagem que me mostrou exatamente isto: que os motivos das pessoas, de modo geral, não são passíveis de julgamento. As ações, sim. Mas não os motivos. Estive na Patagônia.

Não sei bem dizer o porquê, mas desde minha adolescência eu era fascinado por conhecer "o fim do mundo". Na verdade, tudo que está "no limite" me fascina: histórias sobre escaladas no Everest, a vida no deserto, peixes abissais, a vida dos esquimós, as expedições à Antártida. Ainda na puberdade, quando ouvi falar em Ushuaia - La Tierra del Fuego - me peguei fantasiando sobre este lugar distante, inóspito e, para mim, completamente desconhecido. Sabia que, se um dia tivesse a oportunidade, visitaria. Que sorte a minha!

Tren del Fin del Mundo - Ushuaia
É claro que minha visão de pessoas aglomeradas em volta de uma fogueira, lutando por um pouco de calor para sobreviver, não combina com a vida da belíssima e charmosa Ushuaia de hoje. Mas foi especialmente gostosa a sensação de estar na última cidade do mundo: no limite do continente, sabendo que não havia nenhuma outra cidade que estivesse mais ao sul do ponto onde me encontrava com minha família. Dali pra baixo, só um vilarejo (em território Chileno) e a Antártida, que ainda sonho em conhecer um dia.

Mas, mais fascinante do que Ushuaia, é El Calafate: a cidade dos Glaciares (calma eu já vou dizer o que isso tudo tem a ver com "não julgar"). Glaciares são imensas formações de gelo, que permanecem desde a última glaciação, há muitos milhares de anos, e que descem as montanhas formando imensas paredes de gelo. Não, não é avalanche, nem é neve. É gelo. Uma montanha de gelo em um lento mas contínuo movimento: e como se estivéssemos na Antártida, imagino. Não dá pra descrever sem ser piegas nem pequeno. Então, não vou nem tentar fazê-lo.

Glaciar Perito Moreno - El Calafate
Na língua do glaciar. Achou as pessoas nesta foto?

O fato é que, ao andar perto dos glaciares, e ver a região incrivelmente inóspita onde estão, me peguei pensando - julgando, na verdade - nos motivos que levaram os primeiros habitantes até ali, quando não havia luz elétrica, roupas térmicas, aquecedores de qualquer tipo. Julguei-os durante muitos dias, tentando achar explicações, sem sucesso.

O que fez uma família vinda da Inglaterra, com duas crianças pequenas, se instalar à beira de uma imensa lagoa, aos pés de um Glaciar, para criar ovelhas, a 2 dias de barco de qualquer civilização? Por que submeter-se a tanta privação? Do que será que fugiam, que precisassem de tamanho isolamento?

E ampliei meus julgamentos para outras pessoas: por que diabos os índios de Ushuaia, que ali viveram durante milênios, não migraram para o norte, atrás de um pouco mais de calor? Porque chegaram tão ao sul, se ao norte encontravam condições supostamente mais favoráveis? Por que se mantiveram por milênios em precárias tendas, pelados, brigando incessantemente contra o frio cortante e perene? E por que os nossos pobres brasileiros ficam passando fome no sertão em vez de tentarem se mudar para um lugar que tenha pelo menos alguma água? E por que os esquimós, no extremo oposto do continente, não vêm um pouco mais para o sul, onde é mais quente? E por que um engenheiro formado na Poli larga tudo para abrir uma lanchonete à beira do mar em uma pequena praia no litoral fluminense? E por que as pessoas que vivem em locais onde há terremotos simplesmente não se mudam de lá? E por que um rapazinho de Governador Valadares, nas Minas Gerais, sonha tanto em ser lavador de pratos em qualquer cidade nos Estados Unidos?

Sempre minhas perguntas estavam relacionadas a "fugir" ou não de algo. Todas elas poderiam ser resumidas em uma só: por que as pessas fogem - ou não fogem - da situação em que atualmente se encontram?

E, ao me fazer estas perguntas, julgar torna-se inevitável. Porque "fugir" de um lugar para outro, ou manter-se nele apesar dos pesares, implica necessariamente em definir certo e errado, melhor e pior, ímpeto ou inércia, desejo ou resignação. Seguindo este caminho, de tentar achar os porquês, minhas perguntas seguiam sem resposta.

Saimos de El Calafate, pegamos um carro e dirigimos por quase 6 horas por uma reta interminável, seca e vazia, até entrar no Chile. Exaustos, chegamos ao Parque Nacional Torres del Paine. Dias antes, houvera ali um imenso incêndio, que destruiu grande parte da vegetação do local. Fomos os primeiros turistas a visitar o parque após sua reabertura. Ali vi algumas das paisagens mais memoráveis que trago na memória, no contraste da vida que já não é, nas cinzas do incêndio, com a vida que teima em continuar a ser, nas várias áreas não atingidas pelas chamas, cuja beleza e intensidade das cores desafia qualquer descrição.

Torres del Paine

Mesmo muito confortavelmente instalados em um hotel, nunca tinha me sentido tão isolado de tudo e de todos. Sem celular, sem posto de combustível e a mais de 250 Km de qualquer cidade. O silêncio era cortado somente pelo incansável vento patagônico, e a escuridão, pela luminosidade fraca de um sol que caprichosamente relutava em se apagar, mesmo depois das 23h30. Dormimos aquela noite ouvindo o vento, que parecia querer levantar as paredes. E, de novo a pergunta: por que alguém viveria ali, em condições tão difíceis?

A resposta para todas aquelas perguntas me veio naquela noite (ou foi minha esposa que me deu a resposta mastigada, e eu estou achando que foi ideia minha?), juntamente com a imagem dos índios, da tal família Inglesa à beira do lago, dos esquimós, do Sherpas aos pés do Everest, no pobre nordestino e sua sandalinha de dedo: as pessoas vivem ali - e em qualquer outro lugar - porque querem ser felizes. Simples assim.

Não precisa haver nenhum outro porquê a não ser este, precisa? Ser feliz. Até pode haver outros motivos... Mas todos tornam-se inválidos sem que este esteja como pano de fundo. Estavam ali minhas respostas. Os índios não iam para o norte, atrás de calor, porque eram felizes cobrindo-se com gordura de foca para se proteger do frio. Os esquimós não vêm para o sul porque são felizes em seus iglus. E os brasileiros que ficam no sertão, são felizes porque ali abunda mais esperança do que água. Nem todos estão buscando, cavando, procurando, decifrando, caminhando. Nem todo mundo está. Alguns simplesmente são.

E os que saem? Bem, o fazem pelo mesmo motivo: porque acreditam que podem ser mais felizes em outro lugar. No fundo, acredito que este é o verdadeiro objetivo - seja para sair, seja para ficar. Cada um com seus motivos: alguns para se achar, outros para que não se percam. Mas todos, sem exceção, porque desejam ardorosamente ser felizes.

E isto vale para quase qualquer coisa na vida, não? Sair ou manter-se no emprego, fazer um curso de teatro ou aprender um novo idioma, fazer dieta ou entupir-se de carne na churrascaria, sair para dançar ou ficar em casa para dormir: tudo, para que se tente ser feliz. Resposta única e simples, para perguntas desnecessariamente complicadas e tolas, as minhas.

Escrevo este texto meses depois de ter me dado conta disto tudo, digitando em um notebook, no colo, em um saguão de Aeroporto muito, muito longe de casa, no Canadá. E certo de que, não importa quantas vezes nem para onde eu viaje, há poucas coisas que me causem tanta felicidade quanto voltar para casa. E ninguém tem o direito de julgar isto - não importa quão longe a casa fique.

Não se iludam: meus próximos textos voltarão a ter julgamentos, sim. Crônicas são julgamentos obtusos derramados em palavras rasas. E, confesso: adoro fazê-los. Mas, nestes primeiros 5 meses do ano, longe por completo das palavras escritas, achei que a distância - materializada na tal viagem à Patagônia, que não ia virar texto, mas virou - era algo do qual eu realmente precisava, e que meus leitores realmente mereciam. Perdoem-me se, ainda sim, fiz algum julgamento sem perceber.

Próxima viagem: não sei. Mas, com certeza, para algum lugar em que espero ser feliz. Igualzinho a você. Igualzinho a todo mundo.

Na Patagônia, as crianças voam. E os adultos, também.



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