sábado, 2 de janeiro de 2016

A paciência é fêmea tinhosa



Tenho uma confissão a fazer: sou tarado por jujubas. Aquela goma grudenta e açucarada, que não sai do dente, com gosto de infância, me seduz desde sempre. Perco a noção do ridículo, passo mal. Como com a mão cheia, feito pipoca, várias de uma vez. Como até acabar o pote. Gosto especialmente das vermelhas.

Gosto tanto que nutro a esperança de que demorem a acabar. Por isso, as preservo: pego primeiro as verdes, as roxas, as amarelas, as laranjas, comemorando a visão das vermelhas se acumulando. Deixo o melhor para o final.

Tenho mania de fazer isto com tudo que gosto. É como se a expectativa pelo melhor, que ainda está por vir, desse mais gosto ao que está no trajeto. É como se a alface fosse o degrau mais baixo, que antecede o palmito; ou o frango (bleargh!), fosse um mal necessário para se chegar à sobremesa com leite condensado; ou o beijo fosse a antessala do orgasmo.

Gosto da espera. Gosto de sentir o cheiro, antes de morder. Gosto que a textura venha antes do sabor. Gosto que a cor preceda a temperatura. O paladar é íntimo, interno, da porta da corpo para dentro. Delicioso, sem dúvida. Mas até a boca há um caminho cheio de sutilezas imperdíveis, que temperam a expectativa. A antecipação que os olhos trazem, com suas cores e contornos bem definidos, seguida do tato e suas texturas inexplicáveis, acompanhada do olfato, que ativa na memória sensações independentes de tempo e espaço, é que conduzem à boca. Só nela é que se sente o deleite final. Se para a comida, a boca é a morada do prazer, ela é também seu túmulo.

Há que se ter paciência, para que o prazer se prolongue - não no "depois", mas no "antes". Fazer do tempo um ingrediente do desejo. Mas a paciência é fêmea, tinhosa e cheia de personalidade, como fruta que se colhe na hora exata. A paciência ainda verde, é travosa, adstringente. Torna o prazer curto, raso, desinteressante. A paciência depois que passou do ponto, torna-se preguiça, fica molenga, sem firmeza alguma. Não corresponde mais à expectativa. Mas, quando perfeitamente madura, é o fruto ideal: doce na medida, com a firmeza exata, com o melhor dos perfumes.

Guardar o melhor para o final, pode ser tarde demais, pode já ter passado do ponto. Pode não dar mais tempo. Pode não haver mais espaço. O paladar pode já estar saturado. Pode já não haver mais gosto. Se a refeição é sempre mais deliciosa quando se tem fome, por que não saciá-la com o que há de mais gostoso? Sem pressa, sem urgência, mas sem postergar demasiadamente o prazer?

Não se trata de hedonismo, nem de felicidade permanente. Não dá para ser plenamente feliz o tempo todo, depois que a vida já tenha nos feito ralar os joelhos, tremer de medo, chorar um amor ou questionar a existência de Deus. A sensação de felicidade requer história, tempo decorrido: olhar para trás e ver uma cadeia de pequenas alegrias entrelaçadas, tecendo a história da vida. A felicidade é tecido, não linha.

Alegrias, sim, são contáveis. Têm peso, movimento, deixam marcas no chão.São mundanas, palpáveis, têm começo, meio e fim. Alegrias que já passaram são lembranças, não mais alegrias. Alegrias são como ondas: existem só aqui, no momento presente. Onda não surfada, é onda perdida.

Não há que se lamentar, já que é impossível surfar todas as ondas. Mas esperar apenas pela onda perfeita, pode ser tornar-se escravo do futuro.

É como ser feliz só aos sábados. É como deixar para revelar amanhã aquilo que você quer - e acabar não fazendo nunca. É como esperar para colocar a saia colorida ganha no Natal, só depois de ter emagrecido os quilinhos que o ano novo trouxe. É como não beijar porque acabou de passar batom. É como não fazer amor de manhã, porque ainda não escovou os dentes.

Se a paciência é fêmea, a atitude também é. No campo dos prazeres, são as palavras fêmeas que nos regem, que nos fazem aguardar pelo momento exato, ou nos movimentam para buscá-lo - perfeito ou não. Se a paciência é amiga dos prazeres, a atitude é irmã das alegrias; é sua abre-alas, sua fiel escudeira.

As jujubas vermelhas, com suas sinuosidades açucaradas, são minhas pequenas doses de alegria infantil. Na teia que forma minha felicidade ao longo dos anos, talvez um montinho vermelho e doce esteja em cada um das intersecções, me lembrando, como diz minha autora favorita, que a vida é urgente. E que os prazeres são habitantes do tempo: agora.

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