domingo, 10 de fevereiro de 2013

Pessoas Nubladas




"Olha,
Entre um pingo e outro
A chuva não molha"
Millôr Fernandes

Nunca entendi muito bem aquelas pessoas cujo humor varia com o tempo e temperatura. Desculpe-me se você é uma delas. Eu sei que são relativamente comuns. Mas eu simplesmente não consigo entendê-las.

Quem nunca ouviu alguém reclamar "desta chuva que me deixa tão triste"? Ou "até que enfim terminou o inverno. Eu não aguentava mais aquela tristeza"? Ou nunca viu os âncoras de telejornal quase reclamando com a aquelas moças bonitinhas que apresentam a previsão do tempo: "Fulana, afinal, quando é que o sol vai voltar?".

É, realmente não entendo. É claro que é normal sentir-se mais confortável em um certo ambiente. Eu, por exemplo, prefiro o friozinho. Me sinto mais disposto, mais alerta, mais vivo. O calor me deixa letárgico, lento e retardado - o que não é muito favorável, considerando-se que vivo em um país tropical...

Mas não me refiro a conforto físico. É óbvio que ninguém gosta de passar frio demais, nem calor demais. Refiro-me a humor. Tem gente que está perfeitamente bem hoje, mas, amanhã, com o dia nublado e garoa caindo de nuvens grávidas, põe-se melancólica, como se a chuva disparasse um gatilho invisível da tristeza.

Aposto que muitas das pessoas que têm esta característica acreditam também em destino. E acreditam em sorte e em azar. E sejam supersticiosas. Vejam só, não estou dizendo que isto é ruim! Não! Acho apenas curioso tentar entender como elas pensam.

Acho que acreditam em destino, sorte e azar, porque veem neles uma explicação razoável para aquilo que acontece em suas vidas. Existe um certo conforto na ideia de destino. Acreditar nele nos exime de responsabilidades pelo que nos aconteça. Afinal, é tudo obra do destino: uma coisa externa, incontrolável, que simplesmente faz as coisas serem como são. Mais ou menos como o tempo e temperatura: as nuvens simplesmente vêm e nublam o céu e a vida. É incontrolável - e não há nada que se possa fazer.

Fico me perguntando como fazem as pessoas que vivem em lugares realmente "hostis" à vida. Outro dia - graças ao meu fascínio por lugares frios e inóspitos - pesquisei sobre uma cidade russa, localizada na Sibéria, chamada Oymyakon - o lugar habitado mais frio da Terra. Durante a noite do sábado de Carnaval de 2013 - enquanto escrevo este texto e tento achar um título para ele - a temperatura lá é de -54 graus Celsius. Já chegou a -70 graus. Dá para imaginar? Quase 90 graus menos do que a média da temperatura anual que temos em uma cidade como São Paulo! São quase 80 graus menos do que o dia mais frio que tivemos no ano passado. Lá, coisas triviais tornam-se inviáveis. Não dá para usar caneta fora de casa: a tinta congela. Aparelhos eletrônicos funcionam de modo errático. O leite é vendido em blocos sólidos, não em estado líquido. E, ainda assim, a menos que a temperatura fique abaixo de -52 graus, as crianças vão à escola normalmente. Se a temperatura se mantiver assim até segunda-feira, as crianças de Oymyakon se parecerão com as brasileiras, durante o feriadão de Carnaval: não irão à escola.

Há o outro extremo: em Al’Aziziyah, na Líbia, a temperatura já chegou a 57,8 graus Celsius, em 1922. Sabe-se lá a quanto chega hoje em dia. No Vale da Morte, nos Estados Unidos, a temperatura durante o dia passa de 50 graus, e cai para abaixo de zero durante a noite. Dá para querer mergulhar no sorvete de dia, e no chocolate quente à noite.

Como será o humor das pessoas nestes locais? Não sei. É claro que esses não são lugares suportáveis por qualquer pessoa - tanto que as populações em locais como estes são muito reduzidas. De qualquer modo, não imagino que o humor delas se deixe afetar pelo tempo e temperatura. Porque elas não podem se dar este luxo. Porque, se bobearem, elas morrem. Não há desculpas. Não dá para ficar no meio da estrada porque a gasolina acabou. Não dá para esquecer de fechar a janela da cozinha. Não dá para deixar para ir fazer compras amanhã, quando o tempo melhorar. Porque ele simplesmente não melhora. Porque, melhorar, para eles, é manter-se ainda muito acima (ou abaixo) do suportável para nós, que vivemos em um país "abençoado por Deus e bonito por natureza".

Certa vez, durante o verão, um Canadense foi à minha empresa e, no intervalo de uma reunião, foi pegar um solzinho do lado de fora. Naquele dia, eu estava incomodado com o calor e a última coisa que me passaria pela cabeça seria ficar fritando ao sol com roupa social. Perguntei a ele:

- Você não quer vir aqui para dentro, onde há ar condicionado?
- Não. Estamos no inverno no hemisfério norte. Volto hoje à noite para o Canadá. Então, acho que vou aproveitar um pouco mais o sol do Brasil.

Eu, como esforçado e dissimulado anfitrião, fiz companhia a ele por alguns minutos. Mas confesso que, folgado, senti alívio quando voltei para a temperatura agradável do ar condicionado, achando graça do meu desconforto com aquele calor que, para o canadense, era exatamente o que ele precisava.

O fato é que viver aqui só aumenta nossa obrigação em não procurar falsas desculpas, falsas explicações, sempre externas a nós mesmos, para problemas que, na verdade, estão do lado de dentro. Quem fica triste porque está chovendo, muito provavelmente já estava com o rosto molhado antes da chuva chegar. Quem fica triste porque está friozinho, talvez precise aquecer o coração antes de aquecer os pés.

E o mesmo vale para aqueles que não gostam do Carnaval, ou não gostam do Natal, ou não gostam dos almoços em família, nem de shopping centers, nem de rock, nem de comédias românticas, nem de televisão, nem de sei-lá-o-quê-mais. Deve haver algo nestas coisas que, bem lá no fundo, talvez lembrem essas pessoas daquilo que elas não são, mas gostariam muito de ser. Ou são, mas preferiam que não o fossem.

Previsão do tempo para amanhã: tempo alegre, para pessoas ensolaradas. Afinal, é Carnaval e feriadão. Só aqueles com problemas de verdade têm desculpas para se sentirem nublados. O resto é mera tempestade em copo d'água.

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