sexta-feira, 8 de março de 2013

Decifrando cabelos

"Por mais que protestemos e vociferemos,
sabe a mulher enredar-nos com um simples fio de cabelo."
John Dryden, Dramaturgo Inglês


Eu não diria que é uma homenagem ao Dia da Mulher... É só uma constatação pessoal sobre mais uma prova da superioridade da mulher sobre o homem. Só isso.

Outro dia eu estava em uma dessas lojas Renner, C&A, Mesbla, sei lá, e fiquei um tempão na fila do caixa esperando para pagar alguma coisa qualquer, da qual já não me lembro. Ali me vi, rodeado de mulheres, andando pela loja ou paradas na fila, como eu. Alguma entidade sobrenatural e benévola provavelmente fez com que os homens desaparecessem da face da Terra e manteve ali, por alguns instantes, somente as mulheres - incluindo minha esposa e filhas. Sem ter o que fazer, peguei-me observando uma coisa em cada uma delas: os cabelos.

Cheguei a uma simples e irrefutável conclusão: os cabelos são mais uma prova definitiva da superioridade da mulher sobre o homem. O homem pode até ser mais forte, mais alto, pode comer mais, pode fazer churrasco sem camisa (embora isto seja completamente inapropriado), pode ficar dias sem se preocupar com os pelos faciais e pode até mesmo coçar a própria mão e o braço com a barba grossa, que já até esqueceu o que é uma Gillette. Grande coisa... Mas e as mulheres? Bem, meus amigos, as mulheres têm cabelos. E só isto - como se não bastasse todo o resto - já as faz infinitamente superiores a nós.

Os cabelos são a parte visível do humor da mulher. Os cabelos não mentem. Os cabelos contam, em uma fração de segundo, como se sente uma mulher e o que pensa de si mesma. Para as fêmeas humanas, os cabelos têm importância muito diferente do que têm para os machos, tão menos evoluídos, da mesma espécie.

Cabelos de homens são divididos em dois tipos, apenas: os sem-graça e os sem-gosto. Alguns cortam bem  curtinhos, outros raspam e ponto final. Que criativo! Alguns os deixam crescer mais ondulados, outros - normalmente bem jovens - deixam um franja dura apontando para o céu (talvez em um pedido desesperado por uma intervenção divina, que nunca vem). Outros, ainda menos afortunados, deixam crescer atrás um mullet para compensar a calvície cada vez menos disfarçável na frente. E há ainda os já maduros que ainda usam gel no cabelo, na tentativa de ficarem minimamente parecidos com aquilo que gostariam de ser desde a adolescência e nunca se tornaram. E os bonés?! Ah, os bonés... Nenhum homem com mais de 10 anos deveria ser autorizado a usar bonés, a menos que esteja sob o sol do Saara. Há também os tios paquerando alguma mocinha, que pintam os cabelos com um preto mais preto do que a graxa daquele sapato que eu ia engraxar nas férias, mas não fiz até hoje. E também os que pintam de acaju, por acreditarem piamente que cabelos cor de mel queimado ficam ótimos em um homem que deveria ter assumido há uns 15 anos os fios grisalhos. Aliás, só o grisalhos estão perdoados. Eles e os carecas. Os demais, sem exceção, encaixam-se nas categorias dos sem-graça ou dos sem-gosto.

Já os cabelos das mulheres são muito mais interessantes. São teimosos, temperamentais, mandões - como suas donas, diga-se - e teimam em não ser categorizados, porque estão em permanente mudança. Aponte-me uma única mulher que use o mesmo penteado há muitos anos, e prometo calar-me. Não há. Algumas podem até afirmar estarem felizes com o próprio cabelo. E talvez até estejam. Mas isto não as impede de mudá-los ao sabor dos temperos da própria vida.

Ali, na fila do caixa, vi infinitas cores de cabelo. Havia algumas loiras de cabelos muito claros e finos, como se olhasse para uma recém-chegada de uma cidade finlandesa cheia de consoantes no nome. E outras, loiras tingidas, mas cuidadosamente naturais: com fios mais grossos e alisados, mas minunciosamente manipulados para não parecerem artificiais. E havia também aquelas loiras que, certas de que "só mais uma semaninha não fará diferença", tinham nas raízes muito escuras a mensagem de "é, eu ando sem tempo. Dá mesmo pra notar?". E havia também as quase-loiras-ai-que-dúvida-tá-bom-vamos-em-frente-mas-não-muito-faça-só-alguns-reflexos-só-para-dar-uma-iluminada-sutil-cuidado-para-não-exagerar. Entre estas, algumas, com fios dourados e perfeitos. Outras, vítimas de mãos menos habilidosas, que pretendiam reflexos acobreados, acabaram ficando com faixas cor de mexerica que, espera-se, hão de desaparecer em alguns dias. E havia também as seguras e belas senhoras loiras-quase-grisalhas, que sabem exatamente como fazer para se manterem lindas na maturidade, disfarçando-a sem negá-la.

Havia também as morenas, com cabelos que variavam do castanho vivo, cor de doce de leite argentino, passando pelo açaí, até as morenas profundas, com cabelos negros, lisos e brilhantes, chovidos e finos como os das índias, ou volumosos e cheios de balanço como de uma cigana andaluz. Ou ainda, ondulados ou até crespos, que não precisam nem de pente (porque são penteados com os dedinhos de suas donas), cheios de personalidade e vigor, sempre alegres e seguros de si, como os das mulatas que, perdoe-me o resto do mundo, só nós temos. E também as asiáticas, com seus cabelos sempre impecavelmente lisos e com volume perfeito, brilhantes e negros como os olhos exóticos de suas donas.

E as ruivas? Menos comuns, mas relembrando alguma pintura europeia antiga perdida na memória, variavam entre intrigantes e seguros tons de um vinho-escuro, cor de cereja fresca, profundo e elegante, até o imperdoável e desesperado por-favor-alguém-olhe-pra-mim cor de cereja ao marrasquino em bolo dormido de padaria, que não ficaria bem nem na Moranguinho.

E os comprimentos? Uma enorme variação entre os compridíssimos "não corto os cabelos desde os 12 anos, não sou crente e ninguém tem nada com isso", retos ou em V, passando pelos "na altura dos ombros" à prova de erros, e, para as mais corajosas, os um pouco mais curtos - entre eles, o inigualável Channel, da  mulher discreta, mas que não tem nada a esconder, ousada e segura o suficiente para mostrar o pescoço e o colo sem medo. Comportado, reto, com curvas, repicado, assimétrico ou super simétrico, com franja ou sem... Acho o Channel tão irresistível, que casei-me com a dona de um, que me segura há 15 anos. Varia daqui, varia dali, mas nunca deixou de ser um apaixonante Channel.

Vi também cabelos curtíssimos de mulheres muito, muito ocupadas, que não têm um segundo a perder. Ou então de outras que com eles simplesmente não estão preocupadas e cortaram-nos o bastante para deles se esquecerem por algum tempo. Ou então, quem sabe, tão curtos porque precisassem recomeçar algo do zero - e fizeram do cabelo a prova visível do anseio pelo recomeço tão necessário. Não estava na fila, mas juro que é real: uma conhecida recentemente apareceu completamente sem cabelos, com um longo e colorido lenço em seu lugar. Ela, belíssima, mesmo sem os cabelos, dá uma bronca no próprio marido, desajeitado: "Ei, cuidado! Fiquei uma hora fazendo chapinha pro cabelo ficar lindo deste jeito!". E ainda abriu um sorrisão, que contagiou todos à sua volta. É, porque como se não bastassem os cabelos, as mulheres têm também os sorrisos... E um pode facilmente compensar a ausência do outro, em caso de adversidades.

E os cabelos presos? Havia naquela fila jovens mulheres com tranças longas, que lembravam as da filha dos Capuleto nas cenas do filme de Franco Zeffirelli, e também belos, modernos e independentes rabos de cavalo que dizem "estou, sim, cheia de coisas para fazer", mas com fios caprichosa e rebeldemente soltos atrás, sinalizando sem querer um traço da ousadia e do senso de liberdade comum a quase a todas as mulheres bem resolvidas. E o coque? Atraidor imediato de olhares, frágil e cheio de nuances, o coque envolve enrolar, e enrolar, e dar uma volta aqui, e outra ali, e arranjar um palito, um hashi, uma caneta ou sei-lá-o-quê para prendê-lo de forma quase displicente e natural. O coque avisa "olha, estou ocupada, sim, mas faço questão de estar linda". Não sou mulher, mas tenho certeza de que as invejosas não suportam um coque bem feito.

Havia também franjas, de muitos tipos. Compridas e estilosas, caindo misteriosamente sobre os olhos, ou curtas e honestas, como de menina comportada. E havia também franjas domadas por uma infinidade de "coisas" (o léxico masculino para esses objetos é bastante restrito, perdoem-me): fivelas e tiaras para prender grandes franjas e deixar à mostra um rosto que precisa ver tudo sem obstáculos. E também piranhas, jacarés, presilhas e sei-lá-o-quê-mais que se fixam aos cabelos como pequenos pentes obedientes, formando esculturas irreprodutíveis e efêmeras em cabelos vaidosos e exigentes. 

Por fim, há aquelas senhoras - normalmente são senhoras, ué! - com cabelos orgulhosos e super armadões, escovadíssimos e provavelmente modelados no secador em direção ao céu, talvez com um pouco de laquê, emoldurados por grandes brincos dourados e óculos escuros enormes. Nestes casos, o cabelo não só revela o humor de uma mulher, como permite que se preveja seu futuro próximo: suas donas farão o possível para preservá-los assim, pelo menos até a manhã seguinte. Assim, os benefícios de tamanho esforço não hão de ser tão efêmeros. Naquele noite, talvez até tenham dormido sentadas...

No fim das contas, passados alguns instantes, os homens voltaram a aparecer, e aqueles cabelos todos pararam de conversar comigo. Mas, mesmo que nossa conversa tenha durado alguns poucos segundos,  não me deixaram mesmo dúvidas: jovens ou idosas, com longos ou curtos, naturais ou pintados, presos ou soltos, os cabelos são mais uma prova da generosidade feminina: os cabelos das mulheres pedem para ser decifrados. Mas, coitados de nós, homens: se não conseguimos sequer ouvir e entender as palavras das mulheres, como vamos conseguir escutar seus cabelos?

Bem, escutá-los não creio que vamos conseguir, não. Não se pode esperar tanto de nós. Mas admirarmos... Ah, isto é fácil! Caramba, como isto é fácil!

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