quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Celebrações

Celebrava seu cérebro todos os dias. Com a vaidade oferecida pela clareza das próprias ideias e dos raciocínios sofisticados, percorria a vida com a luz acesa, sempre às claras, iluminada pelo que estava logo ali, inegavelmente ao alcance da lógica.

Um dia, por um desses motivos que a vida dá sem pedir licença, decidiu apagar a luz e acender uma vela. A luz, que tanto lhe guiara, tornara-se subitamente insuficiente. Passou a precisar de um pouco de escuridão para enxergar o que a luz demasiadamente clara, ofuscava. Precisava da noite, para conseguir ver estrelas.

Deitou-se no chão e escutou a música, que envolvia o ambiente com delicadeza. Absolutamente só, aqueitou a mente e esvaziou a cabeça, tão pouco acostumada ao silêncio de ideias.

Teria dormido? Pequenos flashes de uma luz suave e quente dançaram às margens dos olhos. O flamejar da vela, talvez? Não. Tinham vida própria.

Sentiu o rosto mover-se involuntariamente, como se seu não fosse. Levou as mãos às bochechas, para se certificar: sim, estava mesmo sorrindo.

Percorreu grandes salões de um cristal azulado, formando estalactites translúcidas que desciam de algum lugar divino. Ouviu coros de seres desconhecidos cantando em celebração à sua chegada. Voou com grandes pássaros por céus coloridos, de tinta cremosa e fresca.

Viu-se em um lago calmo, com rostos conhecidos, que lhe sorriam e diziam, sem falar, "Seja feliz. Sejamos, todos".

Sentiu os afagos de amigos eufóricos por, finalmente, lhe visitarem. Sentiu força, sabedoria. Sentiu festa no peito, nos quadris, nos ouvidos e nos pés.

Esqueceu seu nome, despiu-se do próprio corpo. Sentiu-se resfriar do calor intenso no chão frio.

Sentiu a invasão de um medo desconhecido. Viu-se lutando contra o que não podia ver. Respirou fundo, pisou na grama, aguentou firme, manteve-se de pé. E triunfou.

Sentiu uma tempestade de amor invadir-lhe o peito. Chorou compulsivamente de alegria. Encontrou-se com um Deus que estava do lado de dentro. Descobriu-se templo de si mesmo. E voltou a orar.

A vela não mais se apagou. A luz quente do sol continua a clarear o que é da terra, indispensável ao corpo. Mas aquilo que é sutil, que requer penumbra, passou a ser iluminado por velas, silêncio e uma humildade que desconhecia.

De repente, celebrar seu cérebro foi descobrir-se insuficiente. Sua cabeça, tão lúcida, pouco entende daquilo que não se explica e que, ainda que desnecessária ao corpo, talvez seja sua única razão de ser.

Um comentário:

  1. Que esta nova descoberta de paz, silêncio e quietude possa transformar hoje em dia os corações dos que tem pressa, do consumismo exacerbado e da falta de profundidade.
    Um grande beijo e que 2016 seja pra você um ano muito mais completo.

    Martha

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