sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Rebolation Ma non Troppo

Semana passada eu estava hospedado em um hotel no interior de São Paulo com minha família. A  comida era especialmente boa: variada, de excelente qualidade, perfeita para fazer qualquer um engordar uns 2 quilinhos, queixando-se, na maior cara de pau, que "aqui só se come!"

Em um dos almoços, passei por uma mesa e vi uma criança comendo só spaghetti. Sem molho, sem nada. Spaghetti e vento. Vento sem sal, imagino. Até pensei que poderia ser uma daquelas crianças com algum problema de saúde, com alguma restrição dietética séria, mas bastou olhar para o prato dos pais, para ver que não era. Eles comiam quase a mesma coisa.

Minha esposa, vindo para a mesa, me disse que tinha presenciado, naquele mesmo momento, uma outra cena, com uma outra família: a criança estava interessada em ver o que havia para comer entre as saladas, massas, carnes, e sei-lá-o-quê com seus molhos deliciosos, mas a mãe ia abrindo os rechauds (é assim que se escreve "rechauds"?) e dizia, sem nem mencionar o nome do prato, "Ah, disso aqui você não vai gostar, filha". Provar? Nem pensar, né? Talvez ela acredite que "cabeça fechada" é um problema hereditário. Trata-se, certamente, de uma daquelas pessoas que, por princípio, não gostam de nada que não conheçam.

- Pão?
- Adoro!
- Batata frita?
- Lógico!
- Coca-Cola?
- No almoço e na janta!
- Queijo brie?
- Bleargh!
- Fofa, você já comeu queijo brie?
- Er, não. Não vou gostar...
- Amiguinha, todo mundo que prova gosta de... Olha, não vou nem falar nada. Tem um pedacinho aqui, ó. Prova!
- Não.
- Prooooova!
- Não quero!
- Prova, cacete!
- Tá bom, eu provo. - pausa de 3 segundos. Olhos levemente cerrados e cantos da boca tortos para baixo - Mas dá pra tirar essa casca branca?
- Casca?!

Certa vez, juro que é verdade, eu estava em uma viagem a trabalho para os EUA, com um grupo enorme de brasileiros. Umas 400 pessoas. Na hora do almoço, a surpresa: arroz, feijão e bife. Tudo bem que os americanos não têm a culinária mais interessante do mundo, mas, sério mesmo que precisamos atravessar um hemisfério para comer arroz, feijão e bife? Curiosamente, um dos temas daquela reunião era inovação, diversidade, fazer diferente. Ma non troppo, né? Todos reclamaram: "os americanos não sabem fazer feijão!". Verdade. Que tal se tentássemos comer o que eles sabem fazer?

Não sei onde foi que li*, e adorei, que hoje em dia vemos famílias inteiras que, aos domingos, acumulando a fome do café da manhã que não tomaram por levantarem da cama às 11h30, vão felizes e saltitantes ao shopping center, pra comer, adivinha, comida caseira.

Confesso que eu era assim, quando criança. Poderia tranquilamente ser membro titular da Academia dos Chatos de Galochas Mirins. Não gostava de nada. Não concordava com nada. Um certo dia, já mais crescidinho do que seria de se esperar, comecei a me dar conta de que eu não era o cara mais incrível, mais inteligente e mais sapiente da história do planeta. E aí, sim, começou uma fase de grandes e saborosas descobertas. A fase em que se percebe que a riqueza está por trás da diversidade - a única chance que temos de achar respostas que, evidentemente, não estão em nós. Foi a percepção desta diversidade que me tornou tão pequeno, e o mundo, tão vasto e interessante.

Aprendi a gostar de sushi e de steak tartar - essencialmente um monte de carne crua com uma porção de condimentos impensáveis para os não-iniciados. E também filmes em que se chora, sem sofrer. E livros sobre grandes aventuras ou simplesmente sobre velhinhos sentados em uma sala lembrando do passado. Aprendi que estar na Times Square me torna mais cidadão do mundo, tanto quanto visitar o Ver-O-Peso, na capital paraense, me torna mais brasileiro. Aprendi que nem todos precisam concordar comigo o tempo todo - por mais errados que estejam sempre que insistam em discordar de um oráculo do saber...

Aceitar a diversidade é hipocrisia, porque o aceite tem uma certa carga de julgamento. "Eu não concordo, mas aceito". Aceitar é quase tolerar. O que realmente transforma é se permitir, verdadeiramente, apreciar a diversidade e a beleza daquilo que não reflete minha própria imagem e não dá necessariamente as respostas que já eu conheço às perguntas que insisto em fazer. Tão maior será esta diversidade se, em vez de tentar achar sempre as mesmas respostas, eu me aprimore em fazer novas perguntas.

Certa vez, na escola das minhas filhas - que é a mesma em que estudei - me perguntaram, em uma reunião de pais, o que eu esperava que minhas filhas aprendessem. Eu disse que esperava que se tornassem pessoas plurais, porque isso faria delas pessoas curiosas. Essa curiosidade, imagino, é que as vai levar por caminhos realmente interessantes, que gerem frutos. Se elas se derem conta disso - aprenderem a aprender - sei que serão curiosas, e aprendizes de alguma coisa, pelo resto da vida.

Há uma armadilha, porém: deslumbrar-se com o próprio repertório. Ver de tudo, comer de tudo, conhecer muitos lugares e, deslumbrado com as próprias referências, tentadoramente suficientes, tornar-se blasé e arrogante. Todo este repertório, privilégio de poucos, passa a ser um espelho que reflete uma imagem distorcida e aumentada de si próprio, em vez de uma janela cada vez mais aberta por onde se contempla a grandeza do que ainda está lá fora, esperando para ser descoberto aos poucos.

Naquele mesmo hotel em que presenciei a aventureira família que come macarrão com vento, me peguei cantarolando e batucando com os dedos, em volta da piscina, as músicas sertanejas e os axés que saiam das caixas de som. E vi que ali, em férias, sob o sol, soaram diferentes do que em outros momentos. Fiquei rindo das minhas próprias ideias, preguiçosas e frouxas como a calça de um velho com suspensórios. Fiquei me perguntando qual seria a temperatura do núcleo de um meteoro da paixão. Fiquei imaginando uma multidão suada, gritando que quer mais é beijar na boca, ou uma mulher enchendo-a para gritar que o fulano é um safado, cachorro, sem-vergonha. E confesso que me diverti.

Até mesmo durante o Rebolation... Tá, não precisamos exagerar. Durante o Rebolation pensei: "Isso é uma porcaria do cacete!". Porque apreciar a diversidade, é uma coisa. Gostar de qualquer lixo, é outra bem diferente...

Diversidade, sim. Troppo. Ma non tutti.

* Em tempo, a história da família que sai de casa aos domingos para comer comida caseira, eu ouvi na divertida e muito perspicaz palestra "Não Nascemos Prontos", do sempre ótimo Mário Sérgio Cortella.
Veja em http://www.youtube.com/watch?v=89BMhivvRFE

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