quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Minha bunda não ganha salário

No último domingo fui àquele shopping center de decoração e design bonitão aqui em São Paulo, o D&D. Lugar bacana, com móveis tão bonitos quanto caros. Um lugar onde, supostamente, deve-se encontrar pessoas civilizadas. Supostamente...

Procurando uma vaga para estacionar, passei por um carro e fiquei absolutamente indignado com a forma como estava parado. Não resisti. Tirei uma foto e fiz uma coisa que nunca tinha feito antes: deixei um bilhete ao seu dono, no vidro do pára-brisas.

"Você viu como você estacionou este carro?! Nosso país nunca vai ser desenvolvido enquanto houver gente do seu tipo. Lamentável".

Na véspera, eu tinha jantado com minha esposa na praça de alimentação do Shopping Market Place, que também é bem arrumadinho.  Nos chamou atenção a quantidade de pessoas que, quando terminaram de comer, deixaram a mesa "do jeito que ficou": com a bandeja, prato e talheres sujos, lata de refrigerante, guardanapo usado. Não se dignaram a levantar e colocar as coisas no lixo, a inatingíveis 2 metros de distância.

Na verdade, mais do que ficar irritado com essas cenas, eu fico é triste. Não só pela falta de educação dessas atitudes, mas por ver quem são as pessoas que as cometem. Como qualquer brasileiro, sei que nosso povo tem escolaridade baixa e que, quando a preocupação está em levantar às 4h da manhã, para chegar no trabalho às 8h e ganhar R$ 500 por mês (agora, R$ 540! Uau!), não se pode esperar regras de etiqueta ou grandes sofisticações de comportamento. Para estes, o que eu realmente gostaria de ver é uma escola decente e oportunidades reais de trabalho para que crescam e possam, aí sim, se preocupar com mais do que meramente sobreviver. Não vou entrar em questões políticas aqui, mas o fato é que nos últimos 17 anos fizemos bons avanços nesta área. Com muito a percorrer ainda, mas com visíveis avanços.

Entretanto, nestes locais que mencionei - shopping centers em regiões nobres da cidade mais rica do país - foi das pessoas da classe A que vi aqueles comportamentos inaceitáveis. Justo delas. Justo daquelas que, em tempos de Real valorizado, vão fazer compras em Miami, ou tomar café brasileiro a 12 Euros em Paris, ou passar uma semaninha em Cancun, bebendo tequilas e planejando se vão passar o próximo feriadão tomando vinho em Santiago ou em Buenos Aires.

Se você já viajou para um país desenvolvido, ou conheceu alguém que viajou, certamente já se pegou pensando em como "lá" as coisas funcionam, como "lá" é civilizado. "Lá, se você colocar o pé na rua, os carros param na hora, pra você atravessar". Quem nunca ouviu isso? "Lá, se está marcado que o show começa às 21h, ele começa às 21h e não às 21h18".

Voltamos admirados e orgulhosos por conhecer tanta civilidade. Eu sempre volto melancólico também, porque gostaria muito que nosso país também fosse assim. E quem melhor do que aqueles que conhecem também esta realidade em primeira pessoa, que também viajaram e se admiraram com esta civilidade, para praticarem isto aqui? Por que será que tão poucos o fazem? Fico me perguntando: por que é que em tantos de nós o botãozinho de Civilidade só é acionado quando atravessa-se a fronteira? Por que é que, aqui, "grudamos" no carro da frente no semáforo, em vez de deixar mais espaço? Por que é que não damos prioridade ao pedestre em uma esquina, mesmo ele já estando com o pé no asfalto? E por que é que, nas raras vezes em que o deixamos passar, ele atravessa correndo, como se estivesse nos atrapalhando? Por que é que paramos em fila dupla, na hora de pegar as crianças na escola? Afinal, é só um minutinho... não vai atrapalhar ninguém, não é?

E os outros aspectos, menos ligados às questões práticas de trânsito, e mais ligadas à questões éticas? "Você não paga meia entrada no cinema?! Todo mundo tem carteirinha de estudante, mané!".

Desculpem-me, mas eu não. Não tenho carteirinha de estudante, porque não sou estudante. Não me lembro quando foi minha última multa por excesso de velocidade. Não quero inventar uma dor imaginária para me aposentar daqui a uns 3 ou 4 anos. Mas confesso que, muitas vezes, não dou prioridade ao pedestre. Às vezes, por falta de hábito; às vezes, porque o carro de trás está tão colado, que vai me bater se eu parar de repente.

Não quero, em absoluto, dar aula de ética a ninguém. Até porque também tenho deslizes éticos dos quais não me orgulho nem um pouco. Mas acho, sinceramente, que aquelas que têm acesso a modelos de civilidade que realmente funcionam, seja fora do país, seja dentro de si mesmas ou em suas famílias, devem assumir o compromisso extra de tentar fazer disso uma constante. Dar exemplo, mesmo. Pouco a pouco, um dia de cada vez.

Eu devolvo troco quando vem a mais. Peço desculpas quando dou um encontrão em alguém. Pergunto "Tudo bem?" para a moça da cabine onde paga-se o estacionamento no shopping center, e espero ouvir a resposta. Olho garçom nos olhos e agradeço quando ele vem retirar os pratos na mesa. Paro na vaga e olho para ver se o carro ficou mesmo bem estacionado. Se não ficou, arrumo. Não faço barulho depois das 22h e brigo com minhas filhas quando elas andam correndo pelo apartamento feito dinossauros - seja a hora que for. Na minha casa, o papel higiênico da empregada é igual ao meu. Porque, afinal, minha bunda não ganha salário.

Recentemente, eu estive em um evento com a elite dos médicos brasileiros em uma determinada especialidade, que não vem ao caso mencionar agora. Havia uns 15 brasileiros e 3 gringos. Fiquei envergonhado com a postura de alguns brasileiros: faziam perguntas para os gringos e, enquanto estes respondiam, a pessoa que havia feito a pergunta se virava para conversar com o colega ao lado. Mas não era um "Ah, que interessante", não. Era conversa, mesmo, com princípio, meio e fim. O gringo ficava com expressão de "Este cara não está nem ouvindo minha resposta". Vergonhoso. Aquele episódio reforçou minha percepção de que, paradoxal, mas não surpreendentemente, a educação de um indivíduo não é necessariamente proporcional ao seu grau de instrução.

Aliás, basta olhar: os folgados, em geral, são os ricos. Quem fala alto, ri alto, para em fila dupla e acha que o universo gravita em torno de si, normalmente tem renda mensal de 5 dígitos, e um ego do tamanho do sol.

Sinceramente, tenho orgulho da nossa gente, da nossa alegria, criatividade e capacidade de acolher. Isso faz de nós um povo muito especial e é, sem dúvida, a grande razão pela qual o Brasil é tão apaixonante. Mas, quem sabe até 2014 ou 2016, quando acontecerem aqui a Copa e as Olimpíadas, tenhamos os gringos saindo daqui dizendo que somos, sim, alegres, criativos, acolhedores, mas também sérios e civilizados. Se isso acontecer, esses eventos tão singulares terão cumprido seu papel em nosso país. E se não acontecer, que pelo menos tenhamos começado até lá.

Talvez o dono do tal carro mal estacionado, tenha cometido um mero deslize, uma simples distração. Não posso julgar uma pessoa que nem conheço por uma simples atitude isoladamente - embora meu bilhete tenha tido este tom. Só espero que ele tenha se envergonhado. A própria vergonha, aquela que você sente quando ninguém vê, a vergonha de si próprio, é um dos mais persuasivos e transformadores sentimentos que alguém pode ter. E, quem sabe na próxima, ele não apenas arrume o carro, como também deixe um bilhete para alguém - talvez um distraído, ou talvez mais um que precise se lembrar que educação e bons modos não devem requerer esforço; devem ser tão presentes em nós, que sejam, na verdade, traços permanentes de personalidade.

É assim, e só assim, que poderemos causar a transformação ética da qual nosso país tão desesperadamente precisa, e que alguns de nós, gosto de acreditar, tão intensamente mereçam.



Um comentário:

  1. Helder, Tudo bem??
    Sinto a mesma indignação...
    Trabalho no prédio que ficou famoso por conta da novela das 9... Onde funcionava a tal metalurgica acho (desculpa, mas não acompanho novelas... :S).
    É um prédio todo automatizado onde homens e mulheres chegam para trablalhar com seu carro importado, ou quando não é importado, normalmente, não é popular como o meu).
    Pois bem, cheguei por volta das 10 da manhã para trabalhar, a maioria das vagas estavam ocupadas, mas rodei e achei uma "preferencial CARONA", por ser um prédio "verde" ele possue vagas preferenciais para quem dá Carona e para pessoas que possuem carros movidos a Alcool ou GNV, mas vaga preferencial significa que, quando não há ninguém usando, você pode usar, então eu estava ok!
    Neste mesmo momento, uma moça, que deve ter no máximo 35 anos, parou seu carro em uma vaga EXCLUSIVA DE IDOSO, o meu sangue ferveu.
    Para sorte dela eu não tive coragem de abordá-la naquele momento, entretando a placa do carro da moça era muito fácil e eu gravei...
    Nos dois dias que se seguiram ela parou na mesma vaga.. Não aguentei...
    No terceiro dia, deixei uma mensagem no parabrisas do carro dela que dizia mais ou menos assim: "A senhora está muito bem conservada para quem possui mais de 60 anos, me desculpe perguntar, mas sabe o que significa vaga EXCLUSIVA? Com tantas vagas disponíveis, umas até preferenciais (que você poderia usar) você precisa parar em uma vaga de idosos? É por causa de pessoas como você que nosso pais, infelizemente não vai para frente!!"

    Helder, acho que ela aprendeu, pois nunca mais ela parou nas vagas de idosos que eu tenho visibilidade!

    E concordo com você, a vergonha de sí próprio é a pior que existe... Esta moça trabalha no mesmo andar que eu, e acredito que ela imagine que fui eu quem colocou o bilhete, pois ela sempre me olha meio desconfiada... kkk

    Beijos a Vc e a toda sua família!!
    Bilie

    ResponderExcluir

Comente! Mas não se esqueça de assinar!




Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...