sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Narciso sem Perfume

Esta semana está acontecendo em São Paulo a tal da Campus Party. Confesso que nunca estive lá, apesar de ser uma pessoa que trabalha com tecnologia há tantos tempo - 18 anos, para ser exato. Não tenho absolutamente nada contra quem vai a este evento. De modo algum! Aliás, deve ser um cenário bem curioso, em que cabeças jovens e cheias de ideias borbulhantes, discutem uma porção de coisas fervilhantes, para um mundo cada vez mais efervescente. Sério: deve ser um evento bem curioso, independentemente dos adjetivos imbecis que eu ou a mídia o atribuam.

Mas o que me motivou a escrever, na verdade, não foi a Campus Party em si, nem as ideias que perambulam por lá. Foi, na verdade, a fala que aparece em todas as coberturas da mídia sobre o evento: "Aqui todos estão conectados 24 horas por dia" - o que não é, em absoluto, distante da verdade.

Eu sou de uma geração que cresceu sem a internet. Quando a internet começou a surgir para nós, mortais, em 1995, eu já me preparava para minha tão sonhada carteira de motorista, que me permitiria dirigir aquele Corcel branco 1975, que algum desgraçado veio a me roubar, 3 dias depois que comecei a dirigir. Mas isso não vem ao caso, evidentemente...

O fato é que que cresci sem a internet, escrevendo a lápis em um caderno de papel, e não com os dedos, digitando em uma tela de vidro com teclas virtuais. Na década de 80, não havia celular, nem TV a cabo, nem internet. Ouvir um filme em inglês só era possível na aula de inglês, porque nem tecla SAP existia. Aliás, as teclas ainda estavam começando a aparecer, porque a maioria das TVs ainda não tinha controle remoto, e funcionava com botões (cujo "CLÉCT" ainda sou capaz de ouvir - porque botão você não clica; você aperta). A inflação cavalgava a pornográficos 700% ao ano e eu, saindo da infância, não entendia o porquê das fitas de Atari (embora, tecnicamente, não fossem exatamente fitas) custarem tão caro. Ouvir música requeria vitrola, agulha e caixas de som, e não downloads, iPods e fones de ouvido. Tive catapora, caxumba, sarampo e sei-lá-mais-o-quê, porque não havia vacinas para essas doenças que nenhuma criança de classe média hoje em dia pega mais.

Minha filha mais nova, com 7 anos, uma vez me perguntou:

- Pai, quando você era criança, existia internet?
- Não existia, filha.
- E energia elétrica?


Quase pude ouvir seus neurônios formulando a pergunta seguinte, que, para o bem da minha auto-estima, nunca chegou a sair: "E você ficou com muito, muito medo quando encontrou pela primeira vez um T-Rex?"

O fato é que ela, a irmã e a grande maioria dos "campuseiros" que aparecem nas previsíveis coberturas jornalistas desta semana, estão crescendo com todos esses recursos tecnológicos à mão. Negar que esses avanços todos são extraordinários, seria uma grande bobagem. Lembro-me que, anos atrás, apareciam  notícias sobre patéticas passeatas contra a globalização e a internet. Isso é tão idiota como alguém dizer que é contra a penicilina ou os carros flex. Avanços são avanços e são, sem dúvida, bem vindos. A conveniência de um celular, a capilaridade da internet e a portabilidade de um smartphone são recursos valiosos e que, entre outras coisas, permitem de fato que estejamos todos conectados 24x7x365.

Até alguns anos atrás, usava-se a internet como ferramenta - como quem consulta um dicionário, usa um martelo ou uma máquina de lavar. O computador tinha, no início, uma função bem definida, normalmente ligada a trabalho, estudo. Se não se estava trabalhando ou estudando, não se estava conectado. Se o marceneiro não dorme com o serrote, por que deveríamos dormir com o computador?

Só que, para a geração mais nova, estar conectado, usar um computador, não é usar uma ferramenta, como era para mim alguns anos atrás. Para eles, estar conectado é tão fisiológico como respirar. O que te mantém conectado, o seu smartphone, anda grudado ao seu corpo, no bolso da frente da sua calça. Simples assim. Estar conectado é simplesmente mais um fato da vida.

E é inegável que todos nós, que já nos rendemos aos Facebooks, Orkuts, Twitters ou meras leituras de blogs durante um fim de semana nublado (por favor, não me diga que você está lendo isto em um dia de sol), já estamos no mesmo barco. Porque é possível, é fácil e é barato.

Mas estas não são as razões verdadeiras. Não, não. A razão principal, é simples e tola: estamos conectados 24 horas por dia porque precisamos desesperadamente acreditar que somos importantes.

É insuportável a ideia de que o mundo pode viver um segundo que seja, sem a nossa presença. Todos nós conhecemos - ou, pior, talvez sejamos - uma daquelas pessoas que no meio do banho, saem ensaboadas para atender o celular. Ou uma daquelas que não conseguem estar em um cinema e não atender a uma ligação durante meras 2 horas "- Ah, mas eu tenho que atender! É urgente!".

Urgente? Quantas coisas na vida são verdadeiramente urgentes? Que razão tão urgente leva você a responder um e-mail de trabalho no sábado, às 23h48, quando você poderia perfeitamente fazê-lo na segunda-feira seguinte? E que motivo tão incrivelmente premente te faz levar o smartphone para o banheiro no meio da madrugada, para ver se alguém finalmente colocou algum comentário sobre aquela sua frase genial no Facebook, de 2 dias atrás?

Nada disso é urgente, convenhamos. Urgente, sim, é nossa necessidade de sermos importantes. Estarmos conectados 24 horas nos dá uma deliciosa sensação de sermos indispensáveis ao mundo. Somos, enfim, o mito modernizado de Narciso. Adoramos o reflexo sutil do nosso próprio rosto no monitor e esperamos, ansiosamente, que alguém do lado de lá também o veja e nos acene com um sorriso. Estarmos conectados o tempo todo nos mostra como somos solitários, mesmo em um mundo em que todos se mostram tão ávidos por algum contato - seja a hora que for.

Pergunto-me que consequências podem decorrer disso tudo no longo prazo. Que tipos de relações seremos capazes - ou não - de estabelecer? Que tipo de comunicação - ou ausência dela - teremos com nossos amigos? E conseguiremos reconhecer na rua seus rostos, que só vemos nas fotinhos? Seremos capazes de viajar e aproveitar a beleza da nova paisagem lá fora, ou vamos ficar trancados no quarto do hotel, esperando o mundo dizer o quanto sente a nossa ausência - e nos lamentando por não vê-lo fazer isso?

Anos atrás, quando eu escrevia a lápis em uma folha branca papel, havia muitas pessoas que saberiam reconhecer meu texto pela minha caligrafia. Eu gosto de acreditar que a caligrafia revela alguma coisa especial sobre nós; algo que as palavras, por mais habilidosas e cuidadosamente lapidadas que sejam, não conseguem revelar. A caligrafia é quase como um perfume.

Pergunto-me quantas saberiam reconhecer minha grafia hoje. E espero, sinceramente, que nunca nos esqueçamos da beleza de uma frase a lápis em uma frágil folha de papel.

Definitivamente, não há nada de errado com a Campus Party, nem com estar conectado 24 horas por dia. Assim como não há nada de errado em respirar. Mas quem só respira, na verdade, vegeta.


2 comentários:

  1. Curti muito Heldão,
    Leitura agradavel! Deu vontade de jogar River Raide no IPad!

    Gostei! Grande abraço

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  2. Muito bom!
    Mesmo para um lindo dia de sol! :-)

    Beijos
    Olivia

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