segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Os pássaros não têm iPod

Em dezembro de 2010 assisti, de novo, a "O Nome da Rosa", baseado na obra de Umberto Eco. Fiquei com vontade de ler o livro e achei que o faria durante minhas férias - que acabam amanhã. Neste período, li quatro grandes livros e me apaixonei por todos eles. Mas, Umberto Eco, não li. Felizmente não sou daquelas pessoas que leem exclusivamente durante as férias, besuntadas de protetor solar em volta da piscina, de preferência livros bem grossos e vistosos, acreditando que todos estão admirando minha erudição sazonal. Eu, não. Adoro ler nas férias, mas também em qualquer outra época, e sei que poderei ler o livro tranquila e anonimamente ao longo do ano, quando desejar.

Mesmo assim, não ter lido Umberto Eco me levou a pensar nas várias coisas que gostaríamos de fazer - nas férias ou não - e que, por qualquer motivo, acabamos não fazendo, sem nem nos darmos conta.

Sempre fui, desde muito cedo, um cara que trabalha muito. Quem me conhece de perto sabe que muito é MUITO. Entre as diversas e complexas razões por trás disso, está um fato muito simples: horror ao mediano. E não falo, em absoluto, sobre dinheiro. Falo sobre desafios e conquistas. Não gosto do que é meramente razoável, aceitável, decente. Gosto do intenso, do sublime e inesquecível. Se precisou de um monte de esforço para ser conquistado, tanto melhor e mais gostoso seu sabor.

Mas nestas férias, me peguei pensando que este sabor e esta satisfação podem vir de coisas absolutamente triviais - tão triviais que nos esquecemos delas, talvez por não requerem qualquer esforço.

Passei um tempão com as minhas filhas, minha esposa e também sozinho, fazendo algo que eu preciso fazer mais: nada. É incrível como nesses momentos em que não se faz nada, a cabeça borbulha de ideias: uma simples frase, uma crônica, uma disposição diferente para fazer outras coisas, quando não se esteja fazendo, bem, nada.

Na viagem que fiz na última semana de férias, resolvi - como faço todos os anos - que iria fazer exercícios este ano. Choveu à beça e tive que fazer a primeira caminhada na esteira da sala de ginástica do hotel, com meu MP3 no ouvido.

No dia seguinte choveu de novo. Mas, no fim da tarde, a chuva já havia passado e resolvi caminhar, olha só, fora da esteira! Como no dia anterior, coloquei meus fones de ouvido e saí andando às margens do lago. Passados 5 minutos, olhei para o MP3: "Saco! A bateria vai acabar!" e, nisto, me dei conta do absurdo da situação: eu estava em um lugar lindo, ao ar livre, rodeado de pássaros, sons, cheiros, mas hermético, cego e surdo como alguém que caminha obstinadamente em direção a lugar nenhum, numa moderníssima esteira de academia. Desliguei o iPod e percebi o que havia perdido naqueles 5 minutos. E, a partir daí, uma variedade de sensações se apresentaram a quem não está habituado a elas: novas cores, o cheiro do mato, o ruído despretensioso dos passos sobre as pedrinhas na terra molhada e os sorrisos espontâneos ao ver pássaros coloridos muito, muito próximos. Aquela caminhada tornara-se, em segundos, uma experiência sinestésica tão simples e tão agradável que um cidadão urbano é incompetente para entendê-la de cara.

Caminhei sozinho durante mais de uma hora, ouvindo apenas os pássaros, meus próprios passos e meus próprios pensamentos. Teve, é verdade, um avião que caprichosamente resolveu passar por ali para me lembrar de quão barulhentos somos. Mas foi só. Durante o resto do tempo daquela caminhada, sozinho, mas profundamente preenchido, tive mil ideias. Ideias despretensiosas, simples e honestas como o suspiro de um bebê quando adormece. E me dei conta de quão produtivo era aquele momento.

Provavelmente Domenico de Masi tem razão quando fala sobre o ócio criativo. Quando nos afastamos da rotina, e simplesmente permitimos à nossa cabeça vazia (auxiliada ou não pelos pés) tomar caminhos diferentes dos habituais, é fascinante a quantidade de novas ideias que aparecem. E podem ser tantas, que não caibam em nós e precisem ser registradas de algum modo - talvez em um blog cujo nome tenha sido criado pela esposa do autor, que, não surpreendentemente, não foi capaz de achar um título às suas próprias ideias.

Sempre que desejo algo a alguém (numa mensagem de aniversário ou de fim de ano, por exemplo), falo em Trabalho, Desafios e Conquistas. Gosto de fazer isso e continuarei fazendo, porque acredito na nobreza destes valores. Mas, de hoje em diante, vou também desejar Descanso. Porque, no fim das contas, por mais paradoxal que soe, este tal de descanso é muito produtivo. E, caramba, faz um bem danado à alma.

No final da caminhada, me peguei pensando "Quantos quilômetros será que andei?". Imediatamente, ri da estupidez daquela aritmética, que delata tão escancaradamente meus vícios urbanos. Porque afinal, naquela caminhada, fui bem mais longe do que a distância que minhas pernas percorreram. E isso não foi grandioso, nem intenso, nem incrivelmente desafiador. Foi apenas deliciosamente simples e sublime.

Este ano vou ler Umberto Eco. E talvez também Domenico de Masi.


11 comentários:

  1. Fiquei feliz e orgulhosa da sua decisão de escrever, se preferir, garatujar. Linda crônica!

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  2. Helder, em primeiro lugar, feliz 2011! Te desejo muito descanso este ano!
    É impressionante como às vezes demoramos tanto para dar-nos conta que ciosas tao pequenas e simples de nossa vida nos produzem sensações incriveis y de tanta satisfação! Um prazer ler seu primeiro texto do blog. Sucesso!

    Um beijo enorme para vc, Sol e tuas meninas!

    Paloma ( do Santa Maria)

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  3. Amei!!
    Que bom que resolveu, finalmente, começar!
    Espero ler outras em breve!
    Beijos,
    Olivia

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  4. Pessoal, muito obrigado pelos comentários! Adorei!

    A propósito, os errinhos de ortografia (aliás, um deles era feeeeeio...) já foram corrigidos, ok?

    Estou verdadeiramente lisonjeado. Obrigado!

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  5. Parabéns Heldão.... as vezes nos surpreendemos com pequenas coisas como andar e ouvir os pássaros. É muito bom quando fazemos novas descobertas..... bacana você compartilhar deste momento com os amigos.

    Abraços,


    Vini

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  6. Meu velho amigo de infância.
    O mais me impressiona é que as pessoas nunca mudam, pode passar os anos, as décadas, podemos mudar os hábitos, mas ainda somos aquele que sempre fomos.
    Para alguns isto é terrível, mas para um cara excepicional como você, isto é perfeito.
    Fico muito feliz em ver seus valores vindo a tona, sua forma de pensar retornando os frutos que você sempre mereceu.
    Parabéns pelo seu blog, espero que continue postando. Do seu jeito, com a sua cara, com seus pensamentos.
    Nos faz refletir e pensar nas boas coisas da vida que as vezes nos deixamos esquecer pela rotina frenética que temos.
    Grande Abraço

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  7. Fala ae Heldão,

    Muito boa a crônica cara! Também adorei os nomes: do blog e do texto!
    Fico muito feliz que você tenha retomado os seus garatujos, cara. Sempre me agradou muito o seu jeito de contar histórias, e já estou ansioso pela próxima!

    Parabéns pela iniciativa, grande abraço do irmão, amigo e fã,

    Heber Conde

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  8. Helder,

    Cada vez me surpreendo mais contigo, além do texto me ter feito pensar em muitas coisas.
    Acabei de chegar de viagem, desfrutei ao máximo em companhia da minha filha, e percebemos nestes últimos 20 dias que damos risada de coisas simples e banais.

    Bem, vou parar por aqui porque tenho tantas coisas para falar que vai ficar maior que o seu texto do blog....rssss

    Parabéns pela iniciativa e tenha certeza que sou sua fã!!!

    bjus

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  9. Apenas para que saibam (já que ela esqueceu-se de assinar): o comentário acima é da minha colega Martha Pacce. Valeu, Martha!

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  10. eu ia lendo o texto e pensando em te indicar a bibliografia do domenico di masi, mas, pelo jeito, já estás nesta direção. :)

    e, no mais, ia dizer que momentos como esses nos trazem algo que a gente sabe que procura, mas não sabe como achar: felicidade. é mais fácil ser feliz quando se admira as coisas simples da vida. excelente texto, voltarei mais vezes!

    Beijos, Lella

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  11. Uau !
    Parabéns !
    Saudades de vocês !
    Simone (Renan - Modulus)

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