domingo, 2 de dezembro de 2012

Não era o Cirque du Soleil


Sabe, eu tive a felicidade de ver alguns espetáculos realmente extraordinários ao longo dos anos. Espetáculos realmente memoráveis, daqueles que, no meio, você para e pensa "Caramba, que privilégio é poder assistir isto!".

Hoje vi um espetáculo com um propósito muito diferente dessas super-produções. Nele, estava a minha filha menor, atualmente com 9 anos. Era um espetáculo de circo, com alunos de 8 a 14 anos, na escola onde estuda - e onde eu também estudei.

Durante uma hora e meia, vimos um enorme grupo de crianças - umas 100, talvez - fazendo as coisas mais básicas que se pode fazer em um circo: malabarismo, equilibrismo, acrobacias, cambalhotas, contorcionismo. Básicas, sim, mas incrivelmente encantadoras. Não havia nenhum super-homem, dando 5 saltos mortais em uma corda bamba, nem malabarismos com fogo, nem trapézios sem rede a dezenas de metros de altura. Não. Eram crianças mostrando, em um espetáculo cuidadosamente pensado para que elas pudessem brilhar, aquilo que aprenderam a fazer no curso de circo.

Recentemente participei de uma das aulas, que foi aberta aos pais. Pobre de mim - e dos outros pais e mães que participaram. As tais coisas "básicas", para nós, meros adultos, eram muitas vezes impossíveis. Andar numa perna de pau? Só se fosse para dar um passo e cair. Subir no trapézio? Só apoiando-me na perna da professora, que tem quase metade da minha idade e do meu peso. Dar cambalhota? Só afrouxando o cinto da calça...

No espetáculo de hoje elas não eram o Cirque du Soleil, mas me fizeram sorrir ininterruptamente por uma hora e meia. Me encantou ver as crianças fazendo aquelas coisas inimagináveis para nós, adultos. Mesmo as mais simples. Algumas, real e assustadoramente difíceis. Elas me fizeram torcer para que cada malabarismo desse certo, para que cada salto fosse mais alto, para que cada aplauso se fizesse ouvir. Torci e vibrei com todas elas. Me diverti como... bem... como criança.

O Cirque du Soleil é encantador, sem sombra de dúvida. Ele nos mostra até onde o talento, a disciplina, a excelência, podem chegar. Nele, aplaudimos o que há de melhor, o que não se vê em qualquer outro lugar. Nele, admiramos quem chegou no limite.

Mas, hoje, aquelas crianças mostraram a "outra ponta" desse fio: o negócio delas não era "ser o melhor", não era fazer o impossível, nem mostrar um talento excepcional em cada uma das apresentações. O negócio delas era mostrar que o possível, que é extraído também com dedicação, com esforço, com auto-confiança, persistência e coragem, é também incrivelmente desafiador e deliciosamente divertido. Vi, sinceramente, que todas delas - mesmo as mais nervosas - se divertiram e pareciam genuinamente orgulhosas do que ali apresentavam. Mal sabem elas que talvez estivessem nos ensinando mais ainda do elas que próprias tinham aprendido.

Que privilégio dessas crianças passar por essas experiências! Que privilégio para os pais assistir a isto de camarote! Que auto-confiança terão elas no futuro, sabendo do que são capazes e sabendo que "se eu tentar de novo, vou conseguir"! Que legal ver minha filha fazendo algo que eu, no auge da minha vida adulta, não sou capaz de fazer. Se é mesmo verdade que os filhos são sempre melhores do que os pais, hoje vi isto com todas as cores (e eram várias, imagine) e tons.

Em um mundo tão guiado pela competitividade, em que os segundos lugares são apenas tão importantes quanto os últimos, em que o novo é imediatamente descartado pelo novíssimo, em que o legal é esquecível porque só vale o que é extraordinário, adorei ver as crianças se divertindo ao desafiarem os seus próprios limites, e não lutando para ultrapassar limites que alguém lhes impôs, porque ficou-se definido que abaixo daquilo seria inaceitável.

Todos nós já ouvimos alguém dizer (ou talvez tenhamos dito, nós mesmos): "Caramba, eu não sou bom em nada! Não sou bom aluno, não sei cantar, não sei tocar um instrumento, não falo línguas, não danço bem, não sou bom em esportes, ninguém quer me namorar." Mas aí o tempo passa, e a vida e as experiências que ela promove inevitavelmente nos levam a percorrer certos caminhos que nos permitem descobrir talentos que nem sabíamos que tínhamos. Sei lá... Você pode ser bom no cubo mágico. Ou você pode saber fazer mágica. Ou pode saber contar piadas. Ou sabe tudo sobre cinema. Você se torna bom em algumas coisas e descobre que há pessoas que o valorizam por isto, mesmo que não pareça muito útil à primeira vista, mesmo que não façamos do talento nossa profissão. Talvez aí esteja um dos segredos para ser feliz: extrair prazer daquilo que os talentos proporcionam, independente de sua "utilidade" imediata. E olha que simples! Para que se possa descobrí-los, basta experimentar.

Minha filha, e todas aquelas crianças, estavam fazendo hoje exatamente isso: experimentando, permitindo-se descobrir aquilo de que gostam mais, aquilo no que têm mais facilidade ou mais dificuldade. Quais são, enfim, seus talentos; aquilo no que são boas, ou não. E, se não são, vão descobrir em que coisas querem investir, para que possam melhorar. Aquelas crianças estão, não tenho dúvidas, se preparando para serem adultos que se conheçam bem, mas que sejam humildes o suficiente para se perguntarem "o que posso aprender hoje?".

Que brincadeira deliciosamente séria esta, a do circo. Não, não era o Cirque du Soleil. Nele, vemos o fim do caminho, o topo da montanha, o sucesso de quem "chegou lá". Lindo, sem dúvida. Mas, hoje, vi o início da jornada, a base da montanha, o rostinho de pequenas pessoas com uma infinidade de caminhos a percorrer e uma imensidão de talentos por descobrir - no circo ou fora dele. Uma visão tão deslumbrante, sem dúvida, quanto a melhor das atrações do melhor dos espetáculos que já vi, e que, não surpreendentemente, me fez pensar a mesma frase: "Caramba, que privilégio é poder assistir isto!".

2 comentários:

  1. Helder,

    Eu imagino o orgulho que você sentiu ao ver a sua filha na apresentação, e também (quem sabe) por você presenciar o despertar de um talento.

    Ver o rostinho de satisfação dos nossos filhos no final da apresentação e ao mesmo tempo as crianças procurando o olhar de aprovação dos pais...é simplesmente impagável.

    Parabéns pelo excelente texto!!!

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