quarta-feira, 20 de abril de 2011

A Muleta dos Relapsos


No fim de semana passado, assisti à animação "Rio", dirigida pelo notável Carlos Saldanha. Como a maior parte desses filmes de animação, é divertidíssimo, e vale o preço do ingresso, sem dúvida.

O mais notável, no entanto, não é o filme em si - mas o seu tema. Existem, claro, cidades lindas e interessantes no mundo. Mas você se sentiria atraído por um filme cujo nome fosse simplesmente Cancun? Ou Barcelona? Que tal Viena? Quebec? Tá, eu sei que "Budapeste" (baseado no excelente livro de Chico Buarque) é o nome da capital Húngara.  Mas o que eu quero dizer é que são poucas a cidades que atrairiam público simplesmente com o seu próprio nome. Especialmente considerando-se que não estamos falando de um público cabeça, para um filme complexo. Estamos falando de grande público, crianças e adultos de todo o mundo. Esse filme, Rio, é um sinal claro de que existe um grande interesse no Brasil neste momento. Alguém de um grande estúdio achou que o tema Brasil seria vendável - e acertou.

O Obama esteve aqui e, independentemente do excesso de "pagação de pau" em torno dele, se dirigiu a nós como povo e nos disse com todas as letras e cores aquilo que esperávamos ouvir do mundo há decadas.

Sempre que vou para o exterior e me identifico como brasileiro, recebo olhares de interesse e comentários elogiosos aos nossos carros flex, à nossa (suposta) auto-suficiência em petróleo, ao nosso visível crescimento econômico nos últimos 17 anos - e não apenas 8, como alguns teimam em afirmar. Fiquei recentemente 40 minutos conversando com um taxista americano que sabia até o nome da nossa presidente ("presidente", e não "presidenta", né? Assim como ninguém fala "gerenta", nem "assistenta", não vejo razão para dizer "presidenta").

O fato é que o interesse por nós é imenso - e as Olimpíadas e Copa do Mundo são talvez as mais visíveis de todas as provas a este respeito. Torço muito, muitíssimo, para que possamos fazer por merecer todas esta atenção, holofotes, confiança e respeito. Mas, caramba, devo admitir que estou preocupado, como muitas pessoas também estão.

E acho que devemos, todos, assumir alguma culpa por esta preocupação. Porque os motivos que levam a ela, são um retrato fiel de quem somos, como povo.

Li no Estadão* que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) afirma que 9 dos 13 aeroportos que receberão investimentos para a Copa não ficarão prontos a tempo. Isso sem falar no jogo de abertura a ser realizado em um estádio que ainda não existe, em uma região com infra-estrutura igualmente inexistente.

Gente, estamos falando em um evento que será daqu
i a 3 anos! Não duvido que Fukushima, no Japão, esteja toda reconstruída até lá, e nós estejamos aqui envergonhados porque não conseguimos reformar 9 aeroportos e construir algumas arenas com um gramado no meio.

Existe uma frase bem brasileira, que diz que "Se ainda não está tudo bem, é porque ainda não chegou no fim". Existe uma crença entre nós de que "no fim, tudo dá certo" - e que o nosso "jeitinho" e nossa flexibilidade conseguem resolver tudo.

Talvez resolvam, sim, coisas simples. Dá pra botar mais água no feijão, quando uma visita inesperada aparece para almoçar. E dá também pra pedir uma chupeta na bateria do carro para o vizinho, que dificilmente vai nos negar ajuda. Dá pra atrasar a apresentação 5 minutinhos, porque você ainda está fazendo ajustes no PowerPoint que devia estar pronto há 3 dias. Ok. Mas, levantar um estádio, resolver o problema de transportes e oferecer serviços decentes pelo menos em inglês e espanhol compreensíveis para os milhares de turistas que para cá virão, não são coisas que se resolvem com jeitinhos, nem com boa vontade somente. Grandes problemas são resolvidos com uma coisa na qual somos péssimos: planejamento.

E o pior, é que aceitamos passivamente este nosso traço de personalidade: aceitamos a lentidão, os abusos das autoridades. Aceitamos a burocracia cancerígena que nos cerca e atribuímos a ela os entraves que nos impedem de seguir adiante com a devida rapidez. Não se fala em rever de vez políticas para acelerar processos; mas já fala-se abertamente na necessidade inevitável que haverá de se driblar temporariamente a burocracia para viabilizar projetos superfaturados, que vão "dar um tapinha" naquilo que deveria ser definitivo.

Temos 3 anos pela frente e não vemos nenhum movimento para que possamos sair do nível basal e mudar de vez este ritmo e este jeito de pensar que, sendo mantidos, simplesmente não nos possibilitarão realizar Copa alguma. Será que alguém poderia me explicar o que afinal nos falta para começar a planejar direito e, então, "colocar a faca no dente", trabalhar em 3 turnos, trabalhar aos fins de semana, e assumir o compromisso de entregar aquilo que nos foi confiado? Devemos isso ao mundo e, principalmente, devemos isso a nós mesmos. Ou estou enganado, e não merecemos tanto assim?

A conta vai ser alta, sem dúvida. Talvez até estejam certos aqueles que dizem que não deveríamos estar gastando tanto dinheiro, tendo tantos outros problemas mais importantes para resolver. Mas isto não está mais em questão. O compromisso está assumido e devemos, agora que nos vemos forçados a resolver certas coisas, tirar proveito da situação para crescer como país e como sociedade.

Não somos mais o país do futuro. O futuro chegou e, mesmo que ainda tenhamos muito o que melhorar, estamos atravessando nosso melhor momento. Se perdermos estas oportunidades e assistirmos pateticamente a estes eventos esportivos sendo transferidos na última hora para os EUA ou a Inglaterra, passaremos a ser o país do passado - e lamentaremos por gerações a inevitável queda no esquecimento, pelo qual seremos integral e inequivocamente culpados.

A África do Sul conseguiu e nós também temos que conseguir. Espero, sinceramente, que isto aconteça. A flexibilidade, uma das nossas características mais marcantes e mais positivas, talvez nos ajude a cumprir esses objetivos tão difíceis. Mas a flexibilidade deve ser um recurso dos inteligentes, e não a muleta dos relapsos. Temos 3 anos para provar que fazemos parte do primeiro grupo.

Talvez tudo isso não passe de um simples atraso - e que 2011, para nós, não tenha começado depois do Carnaval, e sim, vá começar depois da Páscoa. Que seja. Mãos a obra, todos nós. Já. Por favor.

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4 comentários:

  1. Como sempre... fantástico Helder!!!! Mãos a obra Brasil!!!

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  2. Adoreei, escreve muito bem !

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  3. Muito bom! Na verdade, excelente! Quando vai assumir profissionalmente o talento?

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  4. Aviso aos navegantes: o autor deste blog já é um cidadão suficientemente convencido, metido e insuportável. Aqueles que eventualmente queiram fazer reclamações quanto ao acréscimo do nível de insuportabilidade do sujeito, queiram por gentileza encaminhar suas reclamações àqueles que fazem comentários neste blog.

    Sério: muito obrigado!!!!!!!! Meu Português definitivamente não é bom o suficiente para que eu demonstre meu apreço por estes comentários e por vocês. Obrigado, de coração.

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