segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Medíocre, mas imortal


Peço desculpas pelo texto grande. Mas não faço ideia de como resumir o tema...

Sou um artista medíocre, mas feliz. Não, não estou carente de atenção, de afagos ou dos aplausos dos amigos que me leem - ainda que me sinta muito agradecido sempre que os recebo. O fato é que conheço bem quais são e quais não são os meus talentos, e sei que a arte verdadeira está no segundo grupo.

Não sei fazer poemas, não sei cantar, não toco nenhum instrumento direito, não sei pintar, desenhar ou esculpir. No entanto, sou perdidamente apaixonado por arte. Perdidamente. E, ao longo da vida, venho tentando criar pedacinhos de arte dos quais possa me orgulhar.

Na adolescência, há exatos 20 anos, foi o teatro: uma das épocas mais felizes e mais importantes da minha vida, da qual me orgulho imensamente, e que muito tem a ver com a pessoa que sou. Atuei por 3 anos, no Palhaços Graças a Deus, no colégio em que estudei. Não vou escrever muito a respeito agora, porque pretendo fazê-lo em um texto especificamente para isto, em breve, em meados da primavera, quando os ipês amarelos já estiverem em plena floração.

Mais recentemente, resolvi começar a escrever, sem saber bem o porquê. Estou feliz em conseguir manter este blog com conteúdos pelo menos mensais. E faço-o sem nenhuma pretensão, sem me preocupar com quantas pessoas vão ler, nem que opiniões terão a meu respeito através do que escrevo. Faço-o com imenso prazer, só para não esquecer dos meus próprios pensamentos, muitas vezes tão fugazes. Escrevo, talvez, para poder me lembrar como era lá atrás, quando o futuro de hoje virar presente amanhã. Mas também não é sobre isso que quero falar hoje...

Ainda sob o efeito mágico do show do Bobby McFerrin, que tive a honra de assistir na semana que passou, hoje vou escrever sobre música e sobre dança. E porque preciso delas para viver...

Sempre fui apaixonado por música, desde muito pequeno. Quando eu tinha, sei lá, uns 5 anos, lembro-me de assistir aos primeiros e ainda incipientes vídeo-clipes no programa Realce, na TV Gazeta, na época em que a TV tinha não mais do que 7 canais. Me divertia nos finais de tarde com o Capivara - o personagem que apresentava o programa - e com meu tio, com quem eu assistia.

Andando de carro, lembro-me de ouvir as músicas no rádio tentando listar todos os instrumentos que conseguia escutar, prestando atenção aos seus tímbres e seus "papéis" nas músicas.

Lá pelos 10 anos, ganhei dos meus pais um pequeno teclado Casio, e comecei a dedilhar. Na mesma época de pré-adolescência, começaram os bailinhos lá no prédio, que deixaram lembranças de pessoas queridas e meus primeiros contatos com a dança... e com as meninas.

Depois de muito esperar - era uma época economicamente difícil - ganhei meu micro-system Gradiente com duplo-deck! Era uma sexta-feira, e naquela noite eu quase não dormi, porque fiquei escutando músicas até de madrugada, fascinado com o presente. E passei então a preparar as fitas cassete, com as músicas para os bailinhos.

CD-players, no início muito caros, fui o último a ter... Todo mundo tinha, menos eu. E talvez a longa espera tenha alimentado ainda mais o desejo de ouvir os detalhes e a pureza do som que antes só podia escutar na casa dos amigos.

Algum tempo depois, comecei a estudar piano. Me encantava o seu som solene, e o desafio de tocar coisas diferentes com cada mão era imenso. Não me lembro do porquê, mas parei de fazê-lo algum tempo depois. Nunca perdi o encantamento pelo instrumento, que pretendo voltar a tocar um dia.

Com a adolescência, veio o teatro, que ocupou em mim todo o espaço que havia para a paixão por arte. Minhas semanas giravam, durante 3 anos, em torno dos dias em que havia reuniões do grupo. E, claro, sempre havia muita música. Foi nesta época que me dei conta de que precisaria de arte pelo resto da minha vida.

Mas faltou-me a coragem para tentar fazer da arte propriamente dita a minha profissão. E já, já eu digo porque eu acho que isto foi bom...

Veio a vida adulta, o namoro, a faculdade, o casamento, e muito trabalho. Produzindo vídeos, animações, roteiros e personagens, pude me manter envolvido com música - ainda que ela fosse coadjuvante em um processo eminentemente técnico - e também com atuação, já que fiz a direção e vozes de alguns personagens em filmes que produzimos.

Em alguns dos vídeos, fiz da música o elemento principal. E, quando os produzia, ouvia a música-tema repetidamente, vez após vez, horas a fio, dias ininterruptamente - até que aquela música entrasse no meu sangue. Nunca enjoava.

Foi exatamente nesta época que desenvolvi o gosto eclético que orgulhosamente trago até hoje. Tenho dezenas e dezenas de CDs, de muitos gêneros, de artistas magníficos, mesmo que desconhecidos do grande público. Tive a oportunidade e a honra de assistir a alguns desses artistas em shows ao vivo - e é sempre um orgulho fazê-lo. Com eles, e graças a eles, aprendi a ouvir sutilezas e apreciar com gratidão pequenos toques de genialidade que colocam em suas músicas, pelas quais me apaixonei tão intensamente.

Lembro-me que em 2000, às vésperas do nascimento da minha primeira filha, após vários dias de intenso trabalho e pouquíssimas horas de sono, voltei para casa ouvindo um CD instrumental, só com violão, que continha a música "How Great Thou Art". Foi como se algo maior do que eu (sobre o qual também pretendo escrever um dia), quisesse falar comigo, e me colocar numa sintonia diferente, para receber minha pequena e iniciar uma nova fase em minha vida...

E por aí, foi. Novas descobertas, novas músicas e, por elas, incontáveis paixões. Mas, nos primeiros anos do novo século, ainda que eu me mantivesse próximo à música através dos vídeos que produzia, o excesso de trabalho e o cansaço permanente chegaram ao limite do aceitável. Produzir aquilo deixou de ser um prazer, para virar um processo doloroso e angustiante.

Minha empresa, naquele momento, mudou de rumos - para melhor. Muito melhor! Passamos a trabalhar com internet, e os vídeos ficaram para trás. Meu dia-a-dia tornou-se mais técnico do que jamais fora, e a música deixou de fazer parte dele. Mas, ao diminuir sensivelmente o ritmo do trabalho, passei a ter vida fora dele. Sem a carga de obrigações e stress que o trabalho envolvia, passei a ter espaço e tempo para a arte e para música. E foi exatamente aí que reencontrei-me com elas, através da dança.

Quem diria! Pois é... o CDF aprendeu a dançar... Na segunda metade de 2006, com as filhas já mais crescidinhas, e motivados pelos novos ares que a vida nos trazia e demandava, eu e minha esposa resolvemos iniciar um curso de dança de salão. "Vamos lá, ver como é...". Só que o "ver como é" virou para mim paixão imediata e arrebatadora, que persiste até hoje. E isto também abriu portas para ouvir novas músicas, que antes meu gosto "eclético e pseudo-refinado" não me permitia apreciar.

Quem lê isto talvez possa me julgar um artista frustrado e covarde. Mas se por um lado talvez tenha me faltado a coragem - quase com certeza, também o talento - para seguir atuando profissionalmente, por outro, hoje posso me dar o luxo de ter uma relação com a arte que é de puro prazer. Me assusta me imaginar como ator profissional, ainda que amasse a profissão, pensando um "Ai, que saco! Hoje eu não estou a fim de subir no palco!" - porque afinal, todos nós temos nossos dias de chateação e desmotivação. Para mim, não. Não tenho obrigações com a minha arte, porque não preciso sobreviver dela.

Eu sei que isto soa cômodo, e talvez me impeça de desenvolver plenamente esta tal arte pela qual me digo tão apaixonado. Mas, por outro lado, me permite ter com ela uma relação de prazer em seu estado mais puro: faço quando e como quiser, sem amarras, sem obrigações e sem expectativas de terceiros...

A dança foi a oportunidade de voltar a juntar a paixão pela música, com a paixão e o desafio do teatro. Danço bem? Não. Só engano - como fazia com o teatro, com o piano e agora, com esses textos que alguns amigos pacientes e queridos insistem em ler, apesar do tamanho inadequado para a internet. Mas é este "enganar", este fazer unicamente pelo prazer, que me permite respirar arte, mesmo tendo um dia-a-dia tão técnico. Encontrei, sem querer e por mera força das circunstâncias, um equilíbrio que me permite viver, hoje, feliz e realizado com a arte que humildemente tento produzir, escrevendo, dançando e aprimorando meu ouvido, para que um dia meus dedos possam tocar o que eu escuto com admiração.

Quem tiver interesse em trocar figurinhas musicais comigo, por favor deixe um comentário! Sempre estou interessado em conhecer novidades musicais. Talvez eu possa também apresentar algumas das minhas, que vão da genialidade elétrica e contemporânea de Joe Satriani, à universalidade quase ancestral de Ladysmith Black Mambazo ou de Bobby McFerrin, que me motivou a escrever este texto.

Sim, sou um artista medíocre. Mas, isto não faz de mim um artista frustrado. E muito menos me impediu de descobrir a razão pela qual a arte existe e é tão desesperadoramente necessária: tornar a vida mais feliz e dar formas às lembranças que, de outro modo, poderiam ser apagadas pelo tempo. Porque a arte nos torna, mesmo que medíocres, imortais.

Um comentário:

  1. Nossa.....este texto mexeu comigo e poderia como você descrever a minha trajetória que me levou a dança.
    Sinto o mesmo prazer que você ao dançar.....é o sorriso da alma, é tocante, emocionante. Sinto que o meu "eu" se transforma, que se abre uma infinidade de sentimentos de felicidade. Você pode dizer....isto que ela escreveu é um exagero, mas é como me sinto.

    Gostaria de dizer, que você dança muito bem, e que não precisa ser humilde, você deve assumir o papel que lhe cabe. Tenho certeza que todas as outras formas de arte você fez bem feito!!!

    Bem, meu amigo, a nossa amizade começou através da dança e transcende os poucos momentos que nos encontramos, temos esta afinidade e alegria.

    Um grande beijo,


    Martha

    ResponderExcluir

Comente! Mas não se esqueça de assinar!




Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...