domingo, 10 de agosto de 2014

Brinde à Saudade

"Quem tem um amigo, mesmo que um só, não importa onde se encontre, jamais sofrerá de solidão; poderá morrer de saudades, mas não estará só."
Amyr Klink, navegador e escritor brasileiro


"O melhor espelho é um velho amigo."
George Herbet, pensador anglo-galês



Em agosto de 2014, pelo segundo ano consecutivo, reencontrei amigos de infância, do prédio em que morei por aproximadamente 10 anos. Encontrá-los me deixa extremamente reflexivo, porque me faz olhar em um espelho profundo, em que minha imagem reflete não apenas quem sou, mas porque sou.

Quando a gente cresce, tem a sensação de que "eu sou quem eu sou": eu enxergo o mundo do meu jeito próprio, singular; os meus trejeitos e manias, são meus; minha forma de falar, a expressão dos olhos, o jeito de apoiar o rosto na mão, as músicas que eu gosto, o tipo de assunto que me atrai, foram moldados espontaneamente por mim mesmo, à medida em que amadureci. A gente cresce e se torna adulto, dono de si, seguro de que "fui eu que me fiz assim". Uma imagem auto-suficiente, vaidosa e, como boa parte das convicções adultas, completamente errada.

Ao encontrar esses amigos, vejo que sou, também, eles. Vivi com a maioria deles em um momento em que tudo é muito intenso. Já escrevi que, durante as férias, quando se tem 11 anos, parece que se passa uma eternidade entre o nascer e o pôr do sol. Em um só dia, dá para acordar, ler, jogar, bola, escutar música, nadar, tomar banho de chuva, brincar de esconde-esconde, polícia e ladrão, dançar com as meninas, dançar com a vassoura, ouvir mais música, assistir um filme, jogar vídeo-game, conversar horas ao telefone e dormir, para recomeçar tudo no dia seguinte. Hoje, termino o dia lamentando não ter conseguido responder todos os e-mails que comecei a responder pela manhã... Mas, na infância, um dia é uma vida inteira.

Foi ao lado dessas pessoas, que vivi muitos desses dias. E, justamente pela intensidade que eles tinham, reencontrá-los me mostra que eu, na verdade, sou muitos deles. Às vezes um jeito de olhar, de falar, um gesto, até a forma de rir, são parecidos com os meus - mesmo depois de décadas de distância. Vemos que, na verdade, mesmo diferentes, muito do que somos foi moldado pela influência uns dos outros.

E as lembranças? Eles lembram de frases minhas que nem eu mesmo me lembrava. Recordam-se de detalhes, com suas lembranças de criança, que a minha cabeça de adulto já havia coberto com outras camadas de vida. Encontrá-los é retirar essas camadas e relembrar quem eu fui, com minhas manias, meus talentos, minhas chatices. É ver no que fui bom e em que fui insuportável. É ver no que era admirável, ou irritante. É ver quem eu fui, refletido nas lembranças de quem me conheceu sem as máscaras e escudos que eu mesmo construí, para me proteger de mim mesmo.

E não importa quanto tempo se passe: ao olhá-los, é como se o tempo não tivesse passado. Nenhum de nós é criança, nem adolescente. Mas o jeito de olhar, não muda. O jeito de sorrir e gargalhar. Até a voz é igual. A piada com aquele seu jeitão previsível que você tem desde sempre, o jeito de mexer no cabelo, de apontar o dedo, de arrumar os óculos, de gesticular enquanto se conta uma história... Está tudo lá, como estava antes.

"Você lembra das músicas?", "Como estão seus pais?", "Você ainda tem medo de fantasmas?", "Sua Paquita preferida era a Ana Paula!", "Você lembra como ficava puto, quando...", "Lembra quando a gente derrubou...", "Sua franja era assim...", "Seu perfume era assado...", "Lembra quando a gente se pendurava...". É como se quiséssemos gritar uns aos outros que "Eu me lembro de tudo! Eu me lembro de você!".

Rever amigos de infância é viajar no tempo e reencontrar com alguns protagonistas da minha vida. É convencer-me, com gratidão e humildade, da minha própria "inesquecibilidade". É lembrar não só de quem fui, mas porque me tornei quem eu sou.

E, no final, o abraço, que parece durar só um pouco mais do que seria normal, é dizer "Você se tornou parte de mim. E, eu, de você". Encontrar amigos de infância é brindar à saudade. É brindar à própria vida.

2 comentários:

  1. Reflexões da maturidade!!!
    É tão poético enxergarmos as nossas particularidades nos olhos dos nossos amigos de infância e o bem que estas lembranças nos trazem.
    Parabéns pelo seu dia!!!
    Martha

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  2. Me orgulho de ter feito parte desta nossa vida. Ter a certeza que somos iguais eramos qdo criança, que com todos os anos e a distância nada mudou. Em cada um de nós há um pouco de cada e o mais importante, percebemos que nao existe eu ou sou eu ou é voce, dentro de cada um existe um pouco de nós.

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