quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Isso. Ou aquilo. Tá, isso, então.


Ele já tinha tudo decidido. Tinha tudo meticulosamente planejado, as falas ensaiadas, já sabia qual meia iria usar com qual sapato e qual cinto.

Ia chegar já beijando. Ia chegar arrepiando, mostrando que não estava para brincadeira. Estava ansioso por encontrá-la e queria que ela ficasse impressionada com seu ímpeto, com seu fogo. Ela iria conhecê-lo sabendo, de cara, quem era o dono do pedaço.

- É isso aí. Vou chegar beijando, agarrando logo. Essa morena hoje vai ver o que é bom pra tosse...

Tomou seu banho, bem tomado. Muito bem tomado. Até a sola dos pés, esfregou. Lavou atrás das orelhas e embaixo das unhas. O banho da década.

Saiu do chuveiro, enrolou-se na toalha e limpou o espelho embaçado, para ver sua imagem.

- Vou fazer a barba.

Passou uma grossa camada de espuma de barbear no rosto e pegou o aparelho de barbear.

- Pensando bem, não vou fazer, não. A pele fica muito irritada...

Lavou a espuma do rosto. Deu uma olhada para ver se os pelos na orelha estavam aparados. No nariz, idem. Passou desodorante, 8 segundos em cada axila. Não queria nenhum risco de cheirar mal, no seu primeiro encontro com aquela mulher tão linda e tão desejada.

Tinha 2 perfumes. Um mais forte, outro mais suave.

- Vou usar o suave. Vai que ela é alérgica...

Abriu o frasco. Desistiu.

- Pensando bem, vou com o forte. Para combinar com minha atitude mais máscula.

Só que o forte estava quase, quase acabando. O frasco estava praticamente vazio.

- Será que dá? Acho que dá.

Borrifou uma nuvenzinha no pulso direito, atrás da orelha direita, no lado direito do pescoço. Não esfregou, conforme havia aprendido. Mas, na hora de passar do lado esquerdo, já não havia mais perfume algum. Havia usado as últimas gotas em um único lado do corpo.

- Mas que droga! Como é que eu vou com perfume só em metade do corpo?!

Voltou para o banho. Ensaboou-se completamente, para remover todo o perfume. Saiu e enxugou-se com a mesma toalha, já molhada do banho anterior. Cheirou a própria pele para ver se o perfume tinha saído. E tinha, mas agora estava com cheiro de toalha molhada.

- Mas que droga! Será que dá para perceber? - falou, cheirando-se novamente. - Dá, dá, sim.

Tomou um terceiro banho e desta vez usou uma toalha seca. Passou o perfume - o suave desta vez -, terminou de se arrumar, penteou o cabelo e saiu para encontrar aquela deusa.

Estava nervoso. Foi repassando mentalmente o que tinha planejado, o que iria dizer, como iria se comportar. Aquela noite tinha que ser perfeita!

Chegou e no exato momento em que deixava o carro (devidamente lavado e encerado naquele mesmo dia) com o manobrista, se apercebeu:

- Caramba! Esqueci o Halls!

Mas era tarde demais. Chegaram quase juntos e ela já estava parando o carro dela, logo atrás do dele. Não ia poder arranjar um jeito de melhorar o hálito.

Estava deslumbrante, com aquele cabelão preto solto, a maquiagem valorizando os olhos, vivos e atentos. O rosto atraente emoldurado pelos brincos enormes, os braços nus e um decote sexy, mas sem revelar em excesso.

Ele ficou estático. Sem Halls, sua auto-confiança para chegar beijando já tinha ido para a cucuia, mas poderia pelo menos usar alguma frase de efeito para impressioná-la. 

- Oi.
- Oilá - nervoso, acabou não saindo nem "Oi", nem "Olá".

Seu cérebro parecia de bêbado. Não conseguia pensar com rapidez.

- Você está muito... lindita.

Pronto, ferrou-se. Ia dizer "linda", mas mudou de ideia no meio da palavra, para dizer "bonita". Saiu "lindita". Ela riu, achando graça do elogio.

- Muito obrigada! Você também está muito... lindito. - fez até a mesma pausa, para imitá-lo.

"Idiota, idiota, idiota!" - ele pensava. "Lindita?! Sério?! Oilá?!"

Era o primeiro encontro e, embora já se conhecessem "on-line", precisava se apresentar pessoalmente. Esticou a mão para cumprimentá-la, enquanto ela se aproximava para beijar-lhe o rosto. Acabou não fazendo nem uma coisa, nem outra. Ficou com a mão ali, sem jeito, flutuando entre os dois. "E isto por acaso é reunião de negócios, para dar a mão?!", ele pensou, odiando-se.

- Muito prazer. Soraya.
- Prazer o meu. Otávio.
- Gostei do perfume! Suave...
- Obrigado. Vamos entrar? - disse ele, já virando-se. "ELOGIA O PERFUME DELA, SEU ANIMAL!", pensou, já sem a deixa para fazê-lo. Não o fez.

Porra, como estava nervoso! Enquanto o maître os conduzia à mesa, deu um tropeção, ao pisar no próprio cadarço desamarrado. Ela fingiu não perceber.

Chegaram à mesa. O maître puxou a cadeira para ela, mas quem se sentou foi ele, enquanto ela colocava a bolsa na outra cadeira. Ele nem percebeu. Ela sorriu para o maître, que sorriu de volta, puxando a outra cadeira para que, finalmente, se sentasse.

- Vocês aceitam a carta de vinhos?
- Não - ele respondeu sem pensar, já que não gostava de álcool. - Ou sim? Você quer?
- Ah, eu aceito um vinho, sim. Você não quer?
- Eu? Quero, quero, sim.
- Eu adoro vinho.
- Eh... eu também.

Detestava vinho. Não estava habituado a beber. Aquela noite não seria fácil. Mas ela valia o esforço.

- Vocês aceitam o couvert?
- O couvert? Ah... - e enquanto dizia "Acho que não...", ela soltou, ao mesmo tempo:
- Eu estou morrendo de fome!

O garçom olhou para ele, esperando uma definição.

- Claro, claro, pode deixar o couvert.

Petiscaram e a conversa começou a engrenar, enquanto olhavam o menu.

- Eu adoro risoto! - ela disse.
- Ah, eu também. Mas estou tentado a pedir esse ravioli com queijo brie e figos.
- É, parece ser uma ótima pedida, né?
- Mas, pensando bem, talvez eu vá de risoto - disse ele, já se irritando com sua própria indecisão.
- Ué? Desistiu do ravioli?
- Não. É que, gostei da sugestão do risoto... sei lá... Tá, vai, vou de ravio... Não, vou de risot... Não, ravioli. Ravioli, pronto.

Ela mesma pediu os pratos ao garçom:

- Então, para ele vai ser o ravioli com queijo brie e figos. Para mim, o risoto de funghi com medalhão. Mal passado, por favor.

Enquanto o garçom se afastava, Otávio perguntou:

- Mal passado?
- É! Adoro! O verdadeiro gosto da carne só se sente quando ela está mal passada!
- Ah, sim, eu sei.

Detestava carne mal passada! Mas continuou com a farsa:

- Os sucos da carne ficam mais saborosos.
- É, ficam - disse, sorrindo da frase feita.

Comeram. Estava tudo uma delícia, menos o vinho. Ele ficou o jantar todo, na mesma taça. "Como alguém pode gostar disso?".

Ela levantou-se para ir ao toilette, provavelmente retocar o batom, e ele aproveitou para se antecipar e estudar o cardápio de sobremesas. Não queria parecer tão indeciso desta vez. Pediu o menu ao garçom e olhou as opções.

Ela retornou, sentou-se e disse:

- Ai, acho que não vou querer sobremesa, não. Você vai?
- Eh... vou... Eh, pensando bem, não. Acho que não. Acho que não estou muito a fim de sobremesa.
- Pode pedir!
- Não, não.
- Pede!
- Tá bom... Eu vou de... Não, não. Não vou. Não quero sobremesa.
- Quer sim!
- Não, não quero. Sério!

E terminou com um intelectualíssimo:

- Estou "de boa".

Era uma formiga! Teria pedido todas as sobremesas do cardápio. E, pela milésima vez naquela noite, estava consumido pela própria vergonha. "Estou 'de boa'?! Quantos anos você tem?! Dez?!". Estava se sentindo o maior dos patetas da história da humanidade.

Pediram a conta, que veio rapidamente. Desta vez ele não bobeou: pegou rápido e já foi logo sacando o cartão de crédito, para pagar.

- Vamos rachar! - ela disse.
- Imagina! 
- Vamos, faço questão!
- De forma nenhuma!
- Vamos, sim! - ela, decidida, tirou a conta da mão dele e foi logo abrindo.
- Não preci...
- Precisa, sim. Olha, pode cobrar metade em cada cartão. - disse ela ao garçom, já enfiando o cartão na maquininha.

Ele queria se matar. "Onde já viu? Deixar um mulher rachar a conta no primeiro encontro?! Eu sou um fracasso! Que desastre! Por que não insisti?! Por que não peguei a conta de volta?!"

Levantaram e saíram do restaurante. Lá fora, já certo de que ela nunca mais iria querer encontrá-lo na vida, disse, só por educação:

- Então, Soraya, fiquei muito felisfeito de te conhecer - "ANIMAL!", rugiu internamente. "FELIZ ou SATISFEITO, sua besta?!
- O prazer foi todo meu, Otávio! - ela disse sorrindo, com sinceridade.

Estava encantada com o jeito acanhado dele. Mal podia acreditar que estava genuinamente interessada naquele cara.

Ele, para fechar com uma frase feita, segura, e já certo do seu próprio fracasso, completou:

- Quem sabe uma hora dessas a gente pode marcar de se encontrar de novo. Sei lá... semana que vem.
- Semana que vem?
- É... Ou então, na outra semana...
- Na outra?

Ela ficou olhando para ele fixamente, esperando sair algo útil daquela boca. Nada.

- Otávio?

Ela se aproximou e o segurou pela nuca. Apontou aqueles olhos ávidos para seu rosto e sussurou em seu ouvido a única pergunta decente daquela noite:

- E hoje, Otávio?
- Como assim?
- No seu apartamento ou no meu?

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